Impressões – Parte 4
Depois de ter passado por Paris, era complicado que algum outro lugar do Velho Continente pudesse representar tantos sonhos, experiências e saudade quanto a capital dos franceses. Estávamos meio amuados e achávamos que o melhor da viagem tinha acabado logo no começo.
Não estávamos de todo errados, mas também não tínhamos idéia do que apareceria à medida que aquele Renault 19 seguia rumo ao Sul.
Saímos pela mesma Peripherique que nos acolheu e queríamos chegar a Bordeaux ainda no mesmo dia. Não sabíamos que os arredores pudessem estar tão cheios de castelos e pequenas vilas mas não havia muito tempo para parar e dar uma olhada. Era até meio triste ver aquelas placas ficando para trás, cada uma com uma silhueta diferente e um significado que não descobrimos.
Rodamos um monte antes de parar e pensar até onde queríamos mesmo ir. A terra dos vinhos parecia interessante, mas nenhum de nós curtia muito a bebida de Baco e nos surgiu a idéia de seguir em frente. Pensamos em Biarritz, para dar uma olhada nas praias da costa atlântica mas a lembrança das paisagens do Dia D não nos incentivou nem um pouco.
Pensamos, pensamos, pensamos e não decidimos um destino. Até parecia que estávamos em uma loja de doces. O problema é que era uma loja meio vazia para os nossos interesses.
Então entramos no carro e fomos em frente. Acabamos escolhendo nossos destinos vencidos pelo cansaço: já eram quase seis da tarde quando chegamos a San Sebastián e ficamos por lá mesmo.
O País Basco foi uma grata surpresa. Depois descobrimos que aquele era um dos mais famosos balneários da Espanha e que a galera lotava as praias, ruas e bares. O clima estava frio demais para praia, mas não perdemos os bares. Estávamos meio deslocados em meio a tantas camisetas do Athletic Bilbao, mas pegamos uma mesa e caímos nas tapas.
No dia seguinte subimos ao Monte Igueldo, que não é nenhum Pão de Açúcar, mas até que nos deixou ter um bom panorama da fria costa Basca. Não vimos nenhuma gostosa de biquíni mas a gente se virou com as espanholas de jaquetas e gorros. Demos muita risada com os bigodões e chapéus engraçados dos policiais e pegamos a estrada rumo à capital.
Uma coisa que eu nunca tinha visto e que não paramos de encontrar antes de chegar a Madrid foram campos de girassóis, infinitos campos de girassóis. Para quem só havia visto as sementes quando a mãe voltava da quitanda, ver uma florzinha amarela atrás da outra foi bem marcante. Não dava para caminhar na plantação mas ficou a imagem de milhares de folhas amarelas se movendo de acordo com o vento e a posição do Sol. Era mais ou menos como se as plantações de cana de Ribeirão tivessem controle remoto.
Madrid nos recebeu em um tarde quente demais para a nossa parca preparação.
Mais uma vez fomos na louca e não sabíamos onde ficar. Isso de tornou comicamente comum na viagem e depois de algum tempo, paramos de nos preocupar.
Acabamos ficando em um hotelzinho bem razoável no Centro e começamos a planejar o agito da noite. Sabíamos que os espanhóis festavam como os brasileiros, mas não tínhamos idéia de que eles poderiam ser parecidos também em outros hábitos menos católicos: deixamos o carro na rua para dar um passeio e quando voltamos, estávamos sem rádio. Depois do choque, tivemos que trocar a noite na Pachá por uma visita à delegacia. Acho que quem mais sofreu com isso foi o meu amigo e motorista já que ele teve que passar os outros 2500km da viagem me ouvindo cantar. Ninguém merece isso.
O roubo fez o tesão por Madrid brochar e decidimos seguir em frente. Nem mesmo o impressionante Valle de los Caídos conseguiu mudar a nossa vontade de ir embora.
O destino da vez era Barcelona e desta vez já sabíamos onde ficar. O grande problema foi achar o diabo do endereço. Tivemos que contar com a simpatia de um catalão que foi o primeiro a me apresentar ao onipresente termo “Vale!”. Anos depois fui entender que isso substitui inúmeros termos desnecessários como “Tudo bem”, “Valeu”, “Beleza”, “Certinho” e afins.
O tal albergue de Barça era um desbunde: um casarão cheio de decorações nas paredes, com quartos para 6 pessoas e cheio de gente jovem e bonita. Me lembro que me “apaixonei” por uma canadense com traços orientais mas ela não ficou sabendo disso. Problema dela.
A noite barcelonesa foi muito mais generosa que a madrilenha e o esquema do albergue ajudava muito os boêmios: os portões se fechavam à meia-noite, mas voltavam a abrir às três da manhã para receber os perdidos. Nós usamos esse expediente durante todos os dias que passamos na cidade.
Antes de sair da Espanha, fomos dar uma volta em Andorra, uma espécie de Paraguai dos ricos, e compramos alguns badulaques. As principais fotos da viagem agradecem essa visita.
Entramos na França sem saber muito sobre a Costa Azul mas isso não era tão necessário: a Costa Azul já sabia tudo sobre a gente.
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