segunda-feira, março 28, 2005

Trocando de felicidade

Dizem que os escritores e os artistas em geral produzem melhor quando estão tristes.
Isso deve significar que existe uma relação muito estreita entre a infelicidade e a expressão do talento.
Como não sou nem escritor nem artista, não espero que este meu momento borocoxô renda alguma coisa de qualidade, mas como o blog é meu, não estou nem aí.

Na sexta à noite eu passei por uma situação engraçada e me peguei rindo das minhas próprias características.
No avião, na poltrona ao lado, uma menina lia "O sucesso é ser feliz" do Roberto Shinya-qualquer-coisa, um livro que me parece fazer parte da cartilha do jovem profissional ávido por desenvolver logo a sua carreira e, obviamente, por ganhar muito dinheiro no processo.


O Sucesso Posted by Hello

Enquanto isso eu ria a cada página que vivia - por que era algo um pouco além de uma leitura - de "O clube dos corações solitários" do André Takeda.
Ela lendo dicas de como fazer sucesso e eu lembrando dos relacionamentos que tive que poderiam perfeitamente estar naquele livro.


O Clube Posted by Hello

Eu até que tentei focar minhas leituras em coisas que me acrescentassem algo além de felicidade e momentos agradáveis, mas acabei cansando e deixando um pouco de lado as coisas de Maslow, Ziglar e Goleman.
Cansei de ler por obrigação e voltei para o prazer.

Talvez isso tenha a ver com a situação da minha carreira hoje. Talvez não, certamente uma coisa está ligada à outra. Hoje não tenho dúvidas de que o grande responsável por ganhar o menor salário entre meus colegas de faculdade sou eu mesmo.
Não adianta jogar a culpa em outra pessoa. As coisas aconteceram por que eu tomei as decisões que quis e não aquelas que poderiam ser mais certas.
Talvez hoje eu pudesse ser um executivo estressado, gordo e bem remunerado ao invés de um analista igualmente estressado, gordo e razoavelmente remunerado.
Mas talvez eu estivesse menos feliz por ter deixado de lado o que me dava prazer.
Talvez a minha coleção de CDs e revistas pudesse permitir a compra de um apartamento ou de um carro melhor, mas eu não teria sentido a satisfação do momento da compra e o sonho da leitura ou audição.
Foi uma coisa por outra. Se foi o sucesso pela felicidade eu não sei, mas que foi legal viver aqueles momentos, ah foi.

Ainda que não me arrependa de tudo o que comprei na minha vida, acho que não vou conseguir viver na adolescência para sempre. Ainda que o Takeda diga que a adolescência é para sempre, eu vou ter que crescer um dia e deixar de lado o que era importante para mim. Não que eu vá abandonar tudo de uma vez, mas um pouquinho eu vou ter que fazer. Só um pouquinho menos de CDs, revistas e lembranças.
Principalmente agora que minha vida vai mudar radicalmente, talvez seja a hora de chacoalhar tudo e só segurar o que vale mesmo a pena. Vou ter que abrir mão de algumas coisas para abrir espaço para outras, novas, mais adultas e igualmente boas.

Por que ser adolescente é uma delícia, mas dá muito trabalho.
Cedo ou tarde temos que virar gente grande e guardar o resto só na memória.
Mas os CDs sempre vão estar lá para quando a saudade bater.
E é assim que a gente vai vivendo.

quarta-feira, março 23, 2005

Pais

O avô da minha mineira se foi. Finalmente ele descansou e deixou para trás toda a loucura e desespero deste mundo incoerente.
A esta altura ele deve estar valseando com a esposa que o esperou bons 15 anos.
A espera deve ter valido a pena e a música deve demorar para parar.

Meu pai também quase se juntou aos antepassados.
Um acidente pouco explicado o mantém internado há quase uma semana. Um baque para quem chegou de viagem e não sabia de nada.
Hoje fui visitá-lo. Venci milhares de barreiras internas e fui até lá.
Cheguei, cumprimentei a minha mãe e o peguei no meio do corredor dizendo que não era preciso vir e coisa e tal.
Não era preciso mas eu fui. Fui e não dei nenhuma bronca.
Foi difícil mas eu consegui.
Apenas perguntei como ele estava e contei algumas novidades do batismo e do casório.
Pouco antes disso ele começou a falar e se emocionou. Talvez fosse de pena, de vergonha ou sei lá o que. O fato é que os olhos dele ficaram mareados.
Os meus foram no embalo, mas eu não disse nada. Como é de praxe, aliás.
Também de forma tradicional, minha mãe ficou ali no meio, só assistindo.
Foi complicado pensar em perdê-lo. Talvez por isso eu tenha ido vê-lo durante o expediente. Não era preciso para ele, mas era muito preciso para mim.

Termino aqui me despedindo do seu Caleb e rezando pelo meu velho.
Que ele volte logo e que a gente consiga falar. Pelo menos um de nós tem que conseguir.

terça-feira, março 15, 2005

Insensível?

O avô da minha mineira está indo embora.
Depois de 90 e tantos anos de trabalho, torcida pelo São Paulo e dança, o velho Caleb está ajeitando as coisas para assumir seu lugar no céu.
Tem sido delicado lidar com ela neste período. De vez em quando dá vontade de mandar tudo à m..., mas aí eu imagino o que deve significar isso e assento o meu fogo.
Digo que imagino por que não tenho nenhum registro de morte nas minhas memórias recentes. Nada que me dê a menor pista do que uma pessoa pode sentir nessa hora. Nem um rascunho de emoção ligada à perda. Nada.

Obviamente isso não quer dizer que nunca ninguém morreu na minha família.
A própria morte do meu avô materno - el tata - aconteceu pouco tempo antes da migração para o Brasil. Ainda me lembro dele na cama brigando comigo. Estranhamente, não me lembro dele em pé.
Pensando bem, talvez não seja tão estranho já que eu tinha só cinco anos e a única coisa desenvolvida no meu corpo era a cabeça. O tamanho, não a inteligência, diga-se de passagem.

Meu tata morreu e eu parti. Uma coisa não deve ter disparado a outra mas foi assim que aconteceu. E aconteceu sem me deixar marcas. Eu só queria saber de rever meu pai e de dar vexame na imigração de Viracopos. Só fui me lembrar de preguntar do tata depois de alguns meses. Mas nem assim eu entendi o que era a morte. Não consegui entender o que causava tanto choro. Não fazia sentido.

Acho que senti alguma coisa quando a avó da Sandra foi embora.
Eu não gostava de visitá-la enquanto ainda estava viva, mas tive que segurar a onda quando ela morreu. Não voltei para casa, consolei a San, dormi fora de casa, carreguei coroa de flores, praticamente ajudei a enterrar o caixão, mas continuei sem sentir nada. As lágrimas não me tocavam. E eu me sentia mal por isso.

A morte de dois companheiros de vôlei também passou batido. Ambos se foram antes dos 18. Ambos tiveram acidentes. Em ambas situações eu mal me lembro deles.

Será que tem alguma coisa de errado comigo ou será que não nasci para lamentar mortes?
Será que nem quando minha mineira, meus velhos, minhas irmãs ou a Letis se for eu vou sofrer?
Quer dizer, nem sei se eu vou estar por aqui quando isso acontecer, mas vocês entenderam a idéia.

Não sei o que pensar. Só quero que quando Hela resolver visitar um dos meus, aqueles que sobrarem venham para o meu lado exatamente como fizemos quando o pai do Rogê perdeu a briga para o câncer. Estávamos todos lá, dando força e chorando a perda. Menos eu, claro, pelo menos no quesito lágrimas, mas isso era esperar demais, né?

domingo, março 13, 2005

Para onde ir?

No ano em que completo cinco anos na mesma empresa - recorde absoluto para um cara que achava um crime ficar mais do que três - me deparo com algumas realidades esquisitas e até bizarras.
Isso tem a ver com o tipo de obrigações que somos obrigados a pagar por querer viver em sociedade. Sim, por que sempre existe escolha. Sempre existe a possibilidade de largar a escolha quadrada de faculdade/trabalho/economias/aposentadoria e partir para algo mais espiritualmente prazeroso. Mas esse não é o assunto da hora.
A idéia aqui é falar do preço a pagar por um emprego das 9 às 6.

Já falei aqui sobre a minha dificuldade patológica de amadurecer e sobre o preço que tive que pagar por isso. É exatamente por isso que entendo bem o que aconteceu com o cara que carinhosamente apelidei de Reco Reco.
Depois falo sobre a relação dele com os curiosos Bolão e Azeitona, o trio que nos trouxe uma série de dores de cabeça.
Pois bem, o Reco Reco foi demitido nesta semana. Demitido e escorraçado, diga-se de passagem, já que na empresa você não pode nem esvaziar as gavetas depois do bilhete azul.

A tal demissão veio por motivos aparentemente muito parecidos com os que me fizeram sair de uma empresa alemã onde era instrutor e adorava enganar os alunos: ele abusou de recursos da empresa e não teve maturidade para parar de fazer isso depois de ser avisado pelo Azeitona, seu novo chefe.
É interessante pensar que alguns desses abusos são praticamente parte da empresa. Todo mundo faz, todo mundo sabe e todo mundo continua vivendo.

Teria sido assim com ele se não houvesse uma certa arrogância (devidamente alertada por mim, mas tardiamente modificada), uma imaturidade gritante e uma inquietude irritante. Ele era bom, mas aquele jeito indolente incomodava demais e ofuscava os resultados. Resultado final: rua com uma filha pequena e uma esposa estudante.
Problemas à vista, mas com sorte isso dura pouco e ele se ajeita. Torço por isso.

Depois da notícia, fiquei pensando nos meus próprios pecados e no preço que nunca me foi cobrado por eles. Tenho sorte de ter escorregado poucas vezes e de não ter sido pego em nenhuma. Tenho sorte de ter parado. Tenho sorte de ter finalmente conseguido amadurecer um pouco.
Sei que não tenho coragem de buscar saídas radicais e de largar meu emprego para ser pescador em Floripa ou criados de ostras em Bombinhas. Não nasci para ter essa coragem. Ao invés disso, tenho que entende que o grande culpado da minha situação atual sou eu mesmo.
Tudo bem. Meu chefe tem algo a ver com isso, mas ele só faz aquilo que eu permito. Se eu forçar a barra e exigir minha parte do ouro (assim como fez o Professor) vou conseguir. Meu chefe não tem como me parar.
Quer dizer, tem, mas aí ele perde mais do que. Ou será que não?

Apesar de não ser afeito a soluções radicais, estou trabalhando nos bastidores para inventar algo diferente sem mudar muito de vida.
Se meu projeto der certo, não vou precisar mais me estressar com reuniões improdutivas e gente que não colabora com as soluções.
Mas tudo isso é uma perspectiva de médio prazo. Primeiro tenho que manter no emprego, trazer a minha mineira para esta selva, tirar férias e ver o que acontece na volta.
Depois vejo para onde chuto as pedras do caminho.

sexta-feira, março 04, 2005

Insatisfação patológica

Era impressionante como ele nunca ficava satisfeito com nada.
Não havia a menor possibilidade dele se sentir completo seus relacionamentos, seus amigos, sua barriga, sua conta. Nada. Simplesmente ele perdia momentos bons para ficar olhando para a grama do outro lado.

No trabalho essa insatisfação era mais leve. Demorava um tempo até que ele se enchesse o saco de tanta obrigações e apertasse o botão do ...oda-se.
Quando isso acontecia, até o faxineiro percebia as asneiras que ele fazia. Coisas como ver filmes pornôs em salas de treinamento, fazer corrida de obstáculos em corredores com câmeras, comer lanches destinados a clientes e coisas do gênero.
Ele parecia uma criança de tão irresponsável. Na verdade ele sempre foi definitivamente imaturo. Não havia discernimento para nada e demorava séculos até que ele percebesse o buraco onde havia se enfiado.
Por vezes essa percepção se manifestava na forma de uma demissão. Ou de broncas repetidamente suaves e ineficazes.
Foi assim que ele jogou fora praticamente três anos da carreira e em dois empregos diferentes. A única justificativa aparente era a busca de algo melhor, mas isso perdia totalmente o significado quando se comprovava que nada havia sido feito para crescer onde se estava. Ele apenas passava o tempo e vivia. Ah, e reclamava também.
A comédia de erros só parou quando um amigo falou a sua língua e bêbado disse que ele estava se desperdiçando. A chamada de um igual bateu forte e ele acordou para a vida.
Pelo menos a profissão havia entrado nos eixos.

A sua relação com o álcool foi igualmente escrota. De completo abstêmio para um mergulhador de poças de banheiro de boate foram necessárias apenas algumas semanas.
Novamente ele desligou o cérebro e abriu a boca. Novamente ele errou a mão. Novamente ele pagou o preço: duas batidas sérias, uma lesão grave e muita sorte por ainda caminhar neste mundo.
Tudo isso por que ele achava que era legal fazer parte do grupo dos que bebem. Tudo por que era chato fazer parte do grupo dos nerds, que ele começou a largar na escola. Tudo por que era vergonhoso ser praticamente virgem ainda fazendo faculdade.
Tudo por que ele não sabia nem queria pedir ajuda.

Por último, o mais complicado: as mulheres.
De completo nerd a viciado em sexo casual, ele correu milhares de riscos que fariam o pessoal do Gapa surtar bonito.
Na sua época de caça, ele abusava da hipocrisia de não se considerar colecionador. Era ridículo vê-lo administrar quatro mulheres ao mesmo tempo. Nem todas o amavam, mas algumas terminaram bastante judiadas e isso não ajudou nada os que vieram depois.
Apesar de ser verdadeiramente nocivo, ele não se considerava em canalha. Era apenas a loucura por experiências e a vontade de números. A intensidade era secundária, a satisfação era esquecida, a continuidade era desconsiderada. O que importava era a coleção.
E ele conseguiu se encher de troféus. A sua lista era digna de um atleta, até que apareceu alguém que bancou aquela atitude e se dispôs a amá-lo.
Não se sabe bem por que, mas ele se permitiu viver aquilo e abdicar do vício. As crises de abstinência foram assustadoras e quase sempre acabavam em fumaça, whisky e perfume barato. A proporção variava com a companhia, mas sempre havia a tríade.

Hoje em dia ele segue em recuperação, mas todo cuidado é pouco.
Sua insatisfação faz parte tão integrante da sua alma que é preciso muito cuidado com as sabotagens. Ele sempre foi louco por isso e definitivamente não é hora para voltar à infância. Ele precisou crescer e luta para manter o prêmio. Um prêmio que veio do acaso e que não quer deixá-lo. Nem ele quer isso.
Na verdade, ele quer o de sempre, ser feliz, mas talvez só agora ele tenha alguma idéia de como fazer isso. Só agora ele está deixando de olhar para o umbigo.
Parece que ele está virando mocinho e já já pode se casar.