sexta-feira, agosto 15, 2003

Alegria

Quando cheguei em casa elas ainda estavam acordadas: minha mãe andando pelo quarto meio sonolenta e ela chorando no seu colo. Não achava que poderia fazer alguma diferença já que não sabia nada sobre saúde e menos sobre crianças, mas ainda assim quis tentar ajudá-la e a peguei no colo.
Devem ter sido as batidas rápidas do meu coração meio desesperado ou o calor do suor medroso que eu sentia ao pensar que poderia ser algo mais grave, mas ela parou de chorar. Até hoje a gente não sabe a razão, mas nenhum de nós tem tentado descobri-la.
Ela parou de chorar, me olhou meio de lado e adormeceu. Olhei para minha mãe e sorri. A gente certamente tinha uma ligação especial.

Essa é a lembrança mais gostosa que tenho daquela menina com nome de sentimento e que não vejo a mais tempo do que gosto de me lembrar. Na verdade, já não me lembro de muita coisa, mas esta é outra estória.

Ela nasceu meio que por acidente. Um maravilhoso acidente de percurso que deu um objetivo à família e fez com que algumas coisas ficassem muito menos importantes.
Todos tinham seu papel na dinâmica da casa com aquela mocinha. A um cabia a alimentação, a outro a diversão, outro cuidava do transporte e o resto só babava ovo.
Até as doenças e visitas ao hospital viravam um assunto de família: os que não iam no carro, ficavam no telefone atrás de notícias e de esperança.
Vivíamos mais ou menos em função dela e éramos felizes com isso.

Mas o destino quis que a menina com nome de sentimento buscasse a sorte em outras paragens, seguindo os sonhos da mãe.
A família teve que buscar outras coisas sobre as quais girar e acabou conseguindo se acertar.
Os meses se passaram e as notícias acabaram concentradas em alguns e repassadas a outros. Não havia como ser diferente. Não havia como contar com a participação de todos. Não havia como não mudar.

A mudança da rotina fez com aquela menina saísse um pouco dos meus pensamentos. Admito que a esqueci devagar, um pouco por não gostar da idéia de vê-la longe, um pouco por sentir um pouco de rancor por não poder decidir nada.
Eu a tirei da cabeça de propósito. Ou tentei, por que ninguém me deixou ter sucesso nisso. Todos que a visitavam traziam lembranças, fotos e recados.
Capitulei quando recebi uma foto tirada especialmente pra mim: ela estava mais velha, mais magra e com um dente a menos. Depois me disseram que a foto era especialmente para o “tio”.
Chorei escondido, mas com gosto. Não tinha como negar que ainda a amava.

Ainda vou vê-la de novo e nessa hora vou querer colocá-la de novo no meu colo e ver se consigo acalmá-la mais uma vez. Afinal de contas, funcionou uma vez, né?

Sem comentários: