Chocolate ao leite
Eles não eram muito parecidos.
Se pudéssemos misturar as peles de ambos, teríamos nas mãos algo cor-de-terra, daquelas não muito escuras, próprias para o crescimento de coisas não plantadas, mas sim acidentalmente caídas no solo.
Cada um deles contribuía com um certo matiz, ora mais claro (ou amarelado), ora mais escuro (ou cor de chocolate ao leite).
Na prática, eram pontos diferentes do espectro de luz. Mas eles não estavam preocupados com nenhum tipo de Física. Naquela relação, a matéria mais importante era a Química.
Os cabelos de ambos eram escuros, quase negros, com diferentes texturas e comprimentos, é verdade. Mesmo que não fosse nada escandaloso, cada um deles afrontava os padrões estéticos à sua maneira.
Ela com um volume fora de época, algo meio Gal na época de ouro. Ele com um jeito Andy Garcia de ser, guardadas as devidas proporções, obviamente: cabelo puxado para trás e preso por toneladas de gel.
Eles eram uma dupla, não um casal.
Sendo assim, seus encontros eram semi-clandestinos e discretos. Mais para não despertar a curiosidade dos colegas de trabalho do que para enganar eventuais parceiros. Eles não tinham parceiros, a não ser um ao outro.
E era uma boa parceria: muito cinema, pouca comida, nada de bebida, muita conversa e uma cama para unir as pontas.
A parceria durou mesmo depois dele sair da empresa.
Algo melhor o aguardava em outro lugar, mas ele não quis abrir mão daquele cheiro diferente que a pele dela tinha.
A já mencionada pele de chocolate ao leite tinha um perfume diferente, algo de especiaria. Não dava para dizer se era canela, apesar de lembrar bastante o sabor quando ele estava de olhos fechados. Era diferente das coisas feitas pelo homem e isso o instigava.
A coisa que ele mais gostava de fazer quando a tinha nua, de bruços na cama, era cheirar seu corpo todo. E ela também gostava de exibir seu odor, principalmente depois do banho. Era um exercício de erotismo bem diferente da cópula e do paladar.
Mesmo com o prazer do perfume, da pele e da companhia dela, os encontros foram rareando e pararam. Ele havia conhecido outros tons e outros odores e ela desistiu de trazê-lo de volta.
Ela sentia que ele nunca havia sido seu de verdade e ele se foi. Foi para nunca mais voltar, mesmo que a vontade apertasse e o número dela ainda estivesse à disposição.
Ele sabia que não havia volta e que moça de pele de chocolate ao leite encontraria seu caminho em breve.
E assim foi.
Afinal de contas, eles nunca foram um casal.
Entre eles, era só cheiro.
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