quinta-feira, abril 22, 2004

Viajando leve

Não me lembro bem onde li isso pela primeira vez.
Deve ter sido em Borges. O velhinho sabia das coisas quando se tratava de reavaliar na velhice os erros da mocidade. Apesar de argentino, ele era bom mesmo. Até na morte ele se superou.

Bom, mas a idéia é falar sobre o que devemos levar quando saímos de casa e nos aventuramos no mundo. Na verdade, acho que é um pouco além disso.
O "viajar leve" não se limita ao sentido prático e literal da coisa. Não é só uma questão de pegar um avião sem metade da casa nas costas ou de encher de colocar até o cortador de grama no porta-malas do carro para um passeio até Mogi.
Vou um pouco além do viajar de um lado para outro. Falo de viver.
Como não é muito complicado entender a vida como uma viagem, é provável que mais algum doido neste mundo pense como eu.

Deixar de lado o que não importa é viajar leve. O difícil é pesar e medir a importância das coisas durante o caminho.
Pra mim já foi muito importante ter e absorver coisas. Colecionar era algo que me dava prazer. De revistas a selos, vivi várias febres de ter e ter que duraram tempos variados. Até mulheres eu quis ter no acervo mas aí a coisa não deu muito certo.
Quando tive que escolher entre destruir e abandonar, preferi mudar os hábitos e fiquei com o segundo.
É basicamente ter só o necessário e "PT saudações".

Andar a pé é viajar leve. Deixar o carro em casa de vez em quando me faz muito bem.
Apesar do barulho da Consolação e dos sujeitos que cruzo estendidos no chão, olhar os telhados das casas é um bom passatempo. O problema é ter que fazer isso com agilidade para não ficar sem a carteira, sem a bolsa e sem a virtude. Mas vale a pena.

Ir a Floripa é viajar leve. A cidade dos meus sonhos tem esse poder especial de fazer eu me sentir em casa mesmo longe da Mansão. Lá não tenho que ser alguém, tenho apenas que ser. Lá todos são.

Fugir de brigas é viajar leve. É muito engraçado deixar as pessoas sem ação ao responder a provocações com um sorriso e com o barulho de passos indo em outra direção. É o máximo devolver indiferença para quem esperava uma mordida. Apesar de já ter adorado morder, hoje eu prefiro usar os dentes para comer.
Aliás, continuo afirmando que só vim para este mundo para comer e dormir. E problema de quem me acha pobre.

A única coisa de que não abro mão e que me faz discordar abertamente de Borges é o tal do guarda-chuva. Se ele acha que é besteira carregar o trambolho por aí, problema dele. Eu é que não vou deixar a minha pequena carcaça encharcada com o tempo doido de Sampa. Nisso eu estou fechado.

No resto, o negócio é viajar leve e curtir mais o caminho do que o destino.
Quando chegarmos a gente vê o que faz.

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