quinta-feira, abril 15, 2004

Casa comigo?

Ele sempre achou que na hora seria fácil.
Como fanático por futebol que era, na sua cabeça só havia a imagem do Romário na sua tradicional posição de cone, deixando a bola bater no pé e partindo para o abraço. Só era preciso colocar o pé na posição certa e partir pro abraço. Ir para a galera naquela situação era algo mais do que obrigatório.

O cinema também era um grande suporte de coragem e inspiração.
Afinal de contas, quantas vezes ele havia visto o Richard Gere hesitar para pedir a mão de alguém em casamento?
Não era concebível que o Brad Pitt temesse a recusa de alguma pretendente, era?
E o Sean Connery então?

Mas na hora não foi tão fácil. Apesar de já prever o tipo de reação que despertaria, ele ficou bem nervoso quando começou a falar.
Era uma sexta-feira santa. O bacalhau estava na mesa perfumando a copa e todos exibiam um olhar guloso e pidão. A mãe dela havia se esmerado para que tudo estivesse correto e ele também. Um pouco antes de começar a falar, ele tocou mais uma vez a caixinha no seu bolso, respirou fundo e mandou ver.

A mesa estava quase cheia. Faltava uma irmã e a tia, mas ele não podia se dar ao luxo de adiar o evento. A caixinha estava na sua gaveta há tempos e tudo estava certo. Ele simplesmente tinha que fazer aquilo naquela hora.

As saladas já estavam servidas quando ele pediu licença para interromper o almoço. A irmã do meio, a dona da casa, sacou na hora que ele iria aprontar. O resto da família ficou com o garfo suspenso no ar, alface pingando vinagre e tudo.
Demorou um pouco para que eles entendessem o que estava acontecendo e ficou pior quando ele abriu a caixinha e soltou duas palavrinhas mágicas para a mocinha que se sentava à sua direita.
O "casa comigo?" saiu baixinho e tímido, mas foi o suficiente para que todos ouvissem. Se bem que naquela hora não havia nada na frente dele além do rosto comprido e fino da mulher por quem ele havia bancado aquela "loucura".
Na hora ele se lembrou do relacionamento que passou direto da descoberta para o amor. Não houve espaço para a paixão, assim como não havia dúvidas sobre o que ele queria.
Mesmo que a família dela tivesse estranhado a ausência da tradição e tivesse demorado para liberar os cumprimentos, o objetivo havia sido atingido com louvor: ele a amava e agora havia algo para simbolizar o sentimento. Apesar de diminuta, a pedrinha carregava tudo o que ele queria demonstrar.

Na volta pra casa, ele não estranhou a reação meio apática da família e nem a surpresa dos amigos. Tudo pra ele estava no lugar. Ela estava no lugar. A pedra estava no lugar.
Dali pra frente tudo ficou mais fácil.

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