Não dá para fugir
Há algumas semanas eu acabei queimando a língua por conta de algo que sempre me pareceu claro e indiscutível.
Sempre defendi a idéia de que a gente, nós bípedes descontrolados, somos mais o efeito das experiências vividas do que aquilo que nos foi passado pouco depois do nascimento.
Eu tratava com indisfarçado desprezo comentários do tipo "fui criado assim", "me ensinaram assado", "só sei desse jeito". Isso sempre me pareceu preguiçoso e acomodado.
Foi preciso uma banda escocesa para que eu fizesse um mea culpa e me desse conta de que poderia estar errado desde o começo.
Durante aquela "hora e meia" acabei percebendo que quem estava lá rindo à toa com os trejeitos dos caras e com o delírio da galera era o cara que tinha medo de dançar com as meninas nos bailes e não o bronco que assusta todos que se aproximam.
Era notório como eu estava mais feliz ali, sem escudos, do que com toda a "bagagem" que acabo exibindo todos os dias.
Não quero dizer que minha vida é um desperdício e que só foi bom naquela época. Jamais. O ponto é que eu continuo sendo daquele jeito, mesmo que eu não goste de admitir.
Continuo sendo o moleque cabeçudo que levava pão com ovo para um recreio onde todos, virtualmente "todos" compravam misto disso ou xis daquilo.
Por mais que eu pense que foi bom o tempo ter passado rápido, faz parte do pacote ser o pré-adolescente que vendia passes escolares para comprar gibis de heróis.
Hoje eu sou aquele menino acrescido de cicatrizes, lembranças e algumas "marcas de expressão". Mudei mas sou mais ou menos o mesmo.
Devo ao Teenage Fanclub a percepção de que funciono mais como soma do que como sobreposição.
Sou forçado a admitir que gosto da idéia de crescer em torno daquilo que meus pais e as primeiras experiências de vida formaram.
Espero que minha irmã cineasta, minha frequente companhia neste tipo de experiência, tenha um pouco mais de sobriedade para não cometer os mesmo erros e desprezar o que lhe foi preparado.
Pensando bem, ela é tão parecida comigo que certamente vai fazer a mesma coisa e acabar aprendendo a lição quando tiver um pouco mais de quilometragem na carcaça.
Sorte dela que eu sempre vou estar por perto.
Sem comentários:
Enviar um comentário