Viajando leve
Não me lembro bem onde li isso pela primeira vez.
Deve ter sido em Borges. O velhinho sabia das coisas quando se tratava de reavaliar na velhice os erros da mocidade. Apesar de argentino, ele era bom mesmo. Até na morte ele se superou.
Bom, mas a idéia é falar sobre o que devemos levar quando saímos de casa e nos aventuramos no mundo. Na verdade, acho que é um pouco além disso.
O "viajar leve" não se limita ao sentido prático e literal da coisa. Não é só uma questão de pegar um avião sem metade da casa nas costas ou de encher de colocar até o cortador de grama no porta-malas do carro para um passeio até Mogi.
Vou um pouco além do viajar de um lado para outro. Falo de viver.
Como não é muito complicado entender a vida como uma viagem, é provável que mais algum doido neste mundo pense como eu.
Deixar de lado o que não importa é viajar leve. O difícil é pesar e medir a importância das coisas durante o caminho.
Pra mim já foi muito importante ter e absorver coisas. Colecionar era algo que me dava prazer. De revistas a selos, vivi várias febres de ter e ter que duraram tempos variados. Até mulheres eu quis ter no acervo mas aí a coisa não deu muito certo.
Quando tive que escolher entre destruir e abandonar, preferi mudar os hábitos e fiquei com o segundo.
É basicamente ter só o necessário e "PT saudações".
Andar a pé é viajar leve. Deixar o carro em casa de vez em quando me faz muito bem.
Apesar do barulho da Consolação e dos sujeitos que cruzo estendidos no chão, olhar os telhados das casas é um bom passatempo. O problema é ter que fazer isso com agilidade para não ficar sem a carteira, sem a bolsa e sem a virtude. Mas vale a pena.
Ir a Floripa é viajar leve. A cidade dos meus sonhos tem esse poder especial de fazer eu me sentir em casa mesmo longe da Mansão. Lá não tenho que ser alguém, tenho apenas que ser. Lá todos são.
Fugir de brigas é viajar leve. É muito engraçado deixar as pessoas sem ação ao responder a provocações com um sorriso e com o barulho de passos indo em outra direção. É o máximo devolver indiferença para quem esperava uma mordida. Apesar de já ter adorado morder, hoje eu prefiro usar os dentes para comer.
Aliás, continuo afirmando que só vim para este mundo para comer e dormir. E problema de quem me acha pobre.
A única coisa de que não abro mão e que me faz discordar abertamente de Borges é o tal do guarda-chuva. Se ele acha que é besteira carregar o trambolho por aí, problema dele. Eu é que não vou deixar a minha pequena carcaça encharcada com o tempo doido de Sampa. Nisso eu estou fechado.
No resto, o negócio é viajar leve e curtir mais o caminho do que o destino.
Quando chegarmos a gente vê o que faz.
quinta-feira, abril 22, 2004
quinta-feira, abril 15, 2004
Casa comigo?
Ele sempre achou que na hora seria fácil.
Como fanático por futebol que era, na sua cabeça só havia a imagem do Romário na sua tradicional posição de cone, deixando a bola bater no pé e partindo para o abraço. Só era preciso colocar o pé na posição certa e partir pro abraço. Ir para a galera naquela situação era algo mais do que obrigatório.
O cinema também era um grande suporte de coragem e inspiração.
Afinal de contas, quantas vezes ele havia visto o Richard Gere hesitar para pedir a mão de alguém em casamento?
Não era concebível que o Brad Pitt temesse a recusa de alguma pretendente, era?
E o Sean Connery então?
Mas na hora não foi tão fácil. Apesar de já prever o tipo de reação que despertaria, ele ficou bem nervoso quando começou a falar.
Era uma sexta-feira santa. O bacalhau estava na mesa perfumando a copa e todos exibiam um olhar guloso e pidão. A mãe dela havia se esmerado para que tudo estivesse correto e ele também. Um pouco antes de começar a falar, ele tocou mais uma vez a caixinha no seu bolso, respirou fundo e mandou ver.
A mesa estava quase cheia. Faltava uma irmã e a tia, mas ele não podia se dar ao luxo de adiar o evento. A caixinha estava na sua gaveta há tempos e tudo estava certo. Ele simplesmente tinha que fazer aquilo naquela hora.
As saladas já estavam servidas quando ele pediu licença para interromper o almoço. A irmã do meio, a dona da casa, sacou na hora que ele iria aprontar. O resto da família ficou com o garfo suspenso no ar, alface pingando vinagre e tudo.
Demorou um pouco para que eles entendessem o que estava acontecendo e ficou pior quando ele abriu a caixinha e soltou duas palavrinhas mágicas para a mocinha que se sentava à sua direita.
O "casa comigo?" saiu baixinho e tímido, mas foi o suficiente para que todos ouvissem. Se bem que naquela hora não havia nada na frente dele além do rosto comprido e fino da mulher por quem ele havia bancado aquela "loucura".
Na hora ele se lembrou do relacionamento que passou direto da descoberta para o amor. Não houve espaço para a paixão, assim como não havia dúvidas sobre o que ele queria.
Mesmo que a família dela tivesse estranhado a ausência da tradição e tivesse demorado para liberar os cumprimentos, o objetivo havia sido atingido com louvor: ele a amava e agora havia algo para simbolizar o sentimento. Apesar de diminuta, a pedrinha carregava tudo o que ele queria demonstrar.
Na volta pra casa, ele não estranhou a reação meio apática da família e nem a surpresa dos amigos. Tudo pra ele estava no lugar. Ela estava no lugar. A pedra estava no lugar.
Dali pra frente tudo ficou mais fácil.
Ele sempre achou que na hora seria fácil.
Como fanático por futebol que era, na sua cabeça só havia a imagem do Romário na sua tradicional posição de cone, deixando a bola bater no pé e partindo para o abraço. Só era preciso colocar o pé na posição certa e partir pro abraço. Ir para a galera naquela situação era algo mais do que obrigatório.
O cinema também era um grande suporte de coragem e inspiração.
Afinal de contas, quantas vezes ele havia visto o Richard Gere hesitar para pedir a mão de alguém em casamento?
Não era concebível que o Brad Pitt temesse a recusa de alguma pretendente, era?
E o Sean Connery então?
Mas na hora não foi tão fácil. Apesar de já prever o tipo de reação que despertaria, ele ficou bem nervoso quando começou a falar.
Era uma sexta-feira santa. O bacalhau estava na mesa perfumando a copa e todos exibiam um olhar guloso e pidão. A mãe dela havia se esmerado para que tudo estivesse correto e ele também. Um pouco antes de começar a falar, ele tocou mais uma vez a caixinha no seu bolso, respirou fundo e mandou ver.
A mesa estava quase cheia. Faltava uma irmã e a tia, mas ele não podia se dar ao luxo de adiar o evento. A caixinha estava na sua gaveta há tempos e tudo estava certo. Ele simplesmente tinha que fazer aquilo naquela hora.
As saladas já estavam servidas quando ele pediu licença para interromper o almoço. A irmã do meio, a dona da casa, sacou na hora que ele iria aprontar. O resto da família ficou com o garfo suspenso no ar, alface pingando vinagre e tudo.
Demorou um pouco para que eles entendessem o que estava acontecendo e ficou pior quando ele abriu a caixinha e soltou duas palavrinhas mágicas para a mocinha que se sentava à sua direita.
O "casa comigo?" saiu baixinho e tímido, mas foi o suficiente para que todos ouvissem. Se bem que naquela hora não havia nada na frente dele além do rosto comprido e fino da mulher por quem ele havia bancado aquela "loucura".
Na hora ele se lembrou do relacionamento que passou direto da descoberta para o amor. Não houve espaço para a paixão, assim como não havia dúvidas sobre o que ele queria.
Mesmo que a família dela tivesse estranhado a ausência da tradição e tivesse demorado para liberar os cumprimentos, o objetivo havia sido atingido com louvor: ele a amava e agora havia algo para simbolizar o sentimento. Apesar de diminuta, a pedrinha carregava tudo o que ele queria demonstrar.
Na volta pra casa, ele não estranhou a reação meio apática da família e nem a surpresa dos amigos. Tudo pra ele estava no lugar. Ela estava no lugar. A pedra estava no lugar.
Dali pra frente tudo ficou mais fácil.
domingo, abril 04, 2004
Perto e longe
A pizza de hoje à noite foi extremamente sintomática.
Ficou patente que estamos nos afastando à medida que nos aproximamos delas.
Quando digo "nós", me refiro aos grandes companheiros que tenho hoje em dia. Amigos de verdade. Quase como um Erasmo para um Roberto. Na verdade, vários Erasmos para alguns Robertos.
O "delas" obviamente se refere às respectivas companheiras, quase esposas, praticamente habitantes da mesma casa.
É cada vez mais patente que agimos diferente quando estamos com elas na turma. Não sei se é pior ou melhor, só sei que é diferente.
Eu sempre soube que as coisas mudariam quando "crescessemos".
O problema é que nunca imaginei que a operação envolvida seria a subtração. Não que eu esperasse uma multiplicação, mas talvez uma adição poderia ter vindo de forma mais tranquila.
Mas não foi assim. Com elas somos melhores mas diferentes. Tentamos ser igualmente dinâmicos e inconsequentes, mas acabamos na mesma responsabilidade e semi-preguiça de sair do conforto que conseguimos.
Acho que todos ansiamos por essa tranquilidade emocional e agora que a conseguimos ficamos com essa sensação de querer manter os amigos por perto. Ao menos é assim que eu me sinto.
Não que eles estejam longe. Nada disso. Mas é que a coisa está diferente. Nós estamos diferentes. Elas nos fazem diferentes.
Volto a dizer que acho que estamos melhores assim, mas a idéia infantil de turma eterna não deixa de martelar minha cabeçorra.
Hoje em dia não achamos mais que um final de ano em Floripa é nosso sonho de consumo. Ao invés disso pensamos em uma noite fria em Campos, com uma garrafa de Black, um prato de alho e óleo e um quarto absurdamente escuro.
Nada de sair pela madrugada atrás dos que se perderam atrás de um sorriso perfeito. Nada de cavalinhos de pau no carro do amigo que foi parar em uma casa com 15 mulheres. Nada de descobrir o outro amigo num flashback com a ex. Nada de achar que "All I want is you" vai marcar a paixão definitiva.
Nada disso. Nada de adolescência. Só vida real. Só amor consentido e correspondido.
Só sexo com amor. Só noites clandestinas em hotéis franceses. Só almoços em buffets japoneses. Só planos para Reveilon em camas de casal. Só pilhas de latas de cerveja e entradas de ano na inconsciência. Só o prazer a dois. Só tudo que eu sempre quis.
Sei que é gostoso, sei que é melhor, sei que é o que eu quero. Mas por que acho que estamos diferentes?
Acho que sinto saudade do que ainda vou ser. Estranho isso, não?
A pizza de hoje à noite foi extremamente sintomática.
Ficou patente que estamos nos afastando à medida que nos aproximamos delas.
Quando digo "nós", me refiro aos grandes companheiros que tenho hoje em dia. Amigos de verdade. Quase como um Erasmo para um Roberto. Na verdade, vários Erasmos para alguns Robertos.
O "delas" obviamente se refere às respectivas companheiras, quase esposas, praticamente habitantes da mesma casa.
É cada vez mais patente que agimos diferente quando estamos com elas na turma. Não sei se é pior ou melhor, só sei que é diferente.
Eu sempre soube que as coisas mudariam quando "crescessemos".
O problema é que nunca imaginei que a operação envolvida seria a subtração. Não que eu esperasse uma multiplicação, mas talvez uma adição poderia ter vindo de forma mais tranquila.
Mas não foi assim. Com elas somos melhores mas diferentes. Tentamos ser igualmente dinâmicos e inconsequentes, mas acabamos na mesma responsabilidade e semi-preguiça de sair do conforto que conseguimos.
Acho que todos ansiamos por essa tranquilidade emocional e agora que a conseguimos ficamos com essa sensação de querer manter os amigos por perto. Ao menos é assim que eu me sinto.
Não que eles estejam longe. Nada disso. Mas é que a coisa está diferente. Nós estamos diferentes. Elas nos fazem diferentes.
Volto a dizer que acho que estamos melhores assim, mas a idéia infantil de turma eterna não deixa de martelar minha cabeçorra.
Hoje em dia não achamos mais que um final de ano em Floripa é nosso sonho de consumo. Ao invés disso pensamos em uma noite fria em Campos, com uma garrafa de Black, um prato de alho e óleo e um quarto absurdamente escuro.
Nada de sair pela madrugada atrás dos que se perderam atrás de um sorriso perfeito. Nada de cavalinhos de pau no carro do amigo que foi parar em uma casa com 15 mulheres. Nada de descobrir o outro amigo num flashback com a ex. Nada de achar que "All I want is you" vai marcar a paixão definitiva.
Nada disso. Nada de adolescência. Só vida real. Só amor consentido e correspondido.
Só sexo com amor. Só noites clandestinas em hotéis franceses. Só almoços em buffets japoneses. Só planos para Reveilon em camas de casal. Só pilhas de latas de cerveja e entradas de ano na inconsciência. Só o prazer a dois. Só tudo que eu sempre quis.
Sei que é gostoso, sei que é melhor, sei que é o que eu quero. Mas por que acho que estamos diferentes?
Acho que sinto saudade do que ainda vou ser. Estranho isso, não?
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