Não escrevo mais por que fui atropelado. Foi um impacto lazarento de grande e não teve nada de rápido, como costumam descrever nos filmes. Se passaram "horas" entre o momento que eu vi que seria atingido e a pancada em si. Eu sabia que doeria, mas não fiz nada além de esperar a dor.
E a dor não me decepcionou. Veio acompanhada. Trouxe a desorientação, o desespero e a depressão.
Eu sabia que precisava de energia e vontade para levantar e sair andando, mas escolhi manter a dor e deixar o tempo passar. Tudo era mais tranquilo na dor. Até que não era tão ruim ser atropelado.
Quem me atropelou fugiu. Não parou. Nem pensou em prestar socorro. Até riu depois de me derrubar. Riu, acelerou e foi embora. Deixou o trouxa ali no chão. E o trouxa era fraco e impotente. Foi uma boa escolha de vítima.
A vida escolheu muito bem no dia em que me atropelou. Ela estava especialmente cruel e tinha muito o que fazer para me notar ali deitado.
Mudança de castelo, reformas, busca desesperada por um herdeiro, viagens para encontrar a família, estresse no trabalho, planos para as férias...eram coisas demais para perder tempo comigo.
E nessa eu dancei, me distraí e fui atropelado.
É por isso que eu não escrevo mais.