terça-feira, setembro 28, 2004

Mimos

Neste ano acabaram acontecendo duas coisas que me deram acesso a algo que eu deveria ter visto há muito tempo.
Primeiro eu consegui parar um pouco na frente da TV e vi a programação da Sportv. Até aí nada de extraordinário já que ver televisão é um hábito que nem todo mundo aprecia e que muitos renegam fanaticamente.
O grande diferencial foi o tipo de cobertura que a mesma Sportv resolveu dar para as Paraolimpíadas de Atenas. Para quem não sabe, de uns tempos pra cá, os Jogos Olímpicos tradicionais vêm sendo acompanhados por jogos Paraolímpicos, onde acabamos vendo gente com ainda mais determinação e vontade de vencer do que os atletas tradicionais.
Li em algum lugar que bem sempre as Paraolimpíadas foram realizadas no mesmo lugar dos jogos tradicionais, mas acho que fica muito mais legal assim já que a atenção do mundo fica focada no mesmo lugar por um pouco mais de tempo.

Outra coisa que eu não sabia é que existem categorias dependendo do grau de deficiência da pessoa. Isso faz muito sentido já que não parece muito justo colocar uma pessoa que não tem braços nem pernas para competir com alguém que "só" não coordena bem o movimento do braço esquerdo.
É justamente aí que acabei ficando ainda mais impressionado: ver um chinês sem braços ganhar a prova dos 200m medley na natação foi demais!
Apesar dele estar competindo com pessoas com um grau de deficiência semelhante, dava para sentir que a vontade de viver e de vencer do chinesinho era muito maior do que eu algum dia sonhei. Além de me emocionar com aquela força de vontade, acabei começando a reconhecer os meus mimos. Mais tarde isso ficaria bem mais explícito.

Outro evento ligado a essa auto-análise aconteceu com o Professor: ele teve seu carro roubado e acabou tendo que fazer o "reconhecimendo do corpo" em uma delegacia do Jardim Ângela. Pelo que ele me disse, toda a fama de feiúra e barra pesada que o lugar sempre teve é mais do que justificada. Apesar de estar cercado de policiais bem armados e preparados para ataques, ele se sentiu extremamente inseguro e vulnerável.
Mas foi outro tipo de sentimento que me chamou a atenção. O que quero contar aqui é a criação do conceito de mimo: depois de voltar para casa, o Professor olhou para seus problemas e começou a se sentir envergonhado de reclamar tanto da vida.
Enquanto ele tinha que lidar com o corte da grama da casa de Mauá, com a preguiça do caseiro ou com os problemas do trabalho, as famílias da favela não sabiam se seus filhos voltariam inteiros da escola ou da compra de um pão na padaria.
Para eles, a vida era muito mais básica: era sobreviver ou não.

Antes que surja algum tipo de pensamento da escola MST, não tenho a intenção de julgar ninguém e nem acredito que a culpa pela miséria de uma família da favela possa ser atribuída a outra do Tucuruvi. Não desejo me considerar culpado por ter tido oportunidades que outros não tiveram. Não desejo e não farei isso.
Prefiro me conscientizar daquilo que o Professor chamou de mimos, por que é isso que tenho que enfrentar como problema: nada mais do que mimos.
Problema é que aquele tipo de família tem. Problema é o que um cara sem braços tem para realizar atividades banais como escovar os dentes. Problema é encarar a alegria de viver que muitas dessas pessoas demonstram. Problema é parar de olhar para o umbigo, agradecer pelo que temos e tentar viver cada vez melhor com nossas limitações. Problema é assumir os mimos e tentar ser um pouco mais feliz.

quarta-feira, setembro 15, 2004

Proximidade

Desta vez passou bem perto!
O tal do casamento pegou um cara que já fez parte do meu círculo interno de amigos mais íntimos. Não quero perder tempo narrando o que o levou a perder o posto de amigo de fé. Prefiro falar da experiência mais próxima que tive com o casamento.

É engraçado e até curioso que eu tenha sentido essa proximidade, mesmo que a minha amizade com ele já não seja essas coisas.
Acho que a sensação tem a ver com a idéia que alimentei durante anos. Sabe a idéia de amizade eterna e de invulnerabilidade? Pois é, era isso que eu pensava dos caras que aprendi a chamar de Diretoria.
Hoje em dia já não dirigimos nada. Só com o Presidente eu consigo manter a postura de irmão. Com os demais fica a amizade forte (ou quase isso).

Esse meu amigo não se casou na igreja. Critérios religiosos e culturais o fizeram optar por uma cerimônia-com-festa-sem-sacerdote. Um lance assim meio Huck e Angélica, sabe?
Não que eu ache que a igreja tem que fazer parte do pacote, mas é que estava acostumado a olhar altares e vitrais enquanto o padre entediava os convidados.
Nesta cerimônia rolou apenas a entrada da noiva (de branco) acompanhada do pai, o corredor de convidados e algum tipo de benção proferida por um amigo da família.
Ah, tivemos também a presença ilustre do juiz de paz para cuidar do aspecto legal da coisa.
Tudo muito simples, tudo muito sóbrio, tudo muito legal, a não ser a sensação de que eles poderiam ter chegado lá de forma muito mais fácil e carinhosa.
Digo isso com propriedade pois fui um dos infelizes que apreciou da camarote boa parte dos desrespeitos que rolaram de lado a lado nestes anos todos. Parece incrível que pessoas que se hostilizaram tanto tenham chegado ao altar.

Mas eles chegaram e eu não sinto a mínima vontade de relembrar os detalhes ruins.
Outras pessoas quase que igualmente próximas, fizeram comentários durante o casamento, mas eu não. Preferi enterrar o passado e fazer como o amante não correspondido do filme "Simplemente amor": disse "enough" para tudo aquilo.
Para mim, aquele dia encerrava um grande ciclo de equívocos e simbolizava a esperança de vida melhor para ambos.
Aliás, de vida melhor para todos nós, que não mais testemunharemos os barracos que eles adoravam proporcionar.

Que assim seja e que os problemas fiquem bem mortos!

quinta-feira, setembro 09, 2004

Pausa

Acabei de voltar de férias.
Passei 18 dias longe de casa, do trabalho, do meu mundo e do blog. Não me arrependo nem um pouco do desleixo e ócio que me dominou nas últimas semanas. Eu precisava dar uma parada.
Definitivamente, tirar férias é algo quase tão bom quanto sexo e comida mineira. Ainda mais quando se consegue fazer isso com quem se gosta, conhecer o que se quer e não ter que prestar contas a ninguém. Santa independência!

Bom, como fiquei algum tempo sem escrever no blog, a idéia era contar aos poucos as coisas que rolaram nesses últimos dias. Era, por que decidi contar essas outras estórias de um jeito diferente do que estou acostumado.
Decidi criar um novo blog somente para as minhas viagens e colocar o máximo de detalhes que eu conseguir, de forma a manter vivas as lembranças na minha mente e, eventualmente, ajudar algum amigo necessitado de informações e dicas práticas.
Para quem quiser conferir o que rolou, o Seguindo Gulliver está à disposição.