sexta-feira, agosto 29, 2003

De quem é a vez?

Se eu reunisse um grupo grande de pessoas e perguntasse de forma bem séria a quem caberia a responsabilidade da iniciativa de demonstrar verbalmente os sentimentos dentro de um relacionamento, que tipo de resultado eu teria?
Será que a tradição machista deste país diria que os “eu-te-amos” e “estou-com-saudades” da vida devem partir das mulheres?
Ou será que a liberação feminina, que assola este mundo e que complica demais as abordagens de alguns pobres diabos, imporia a necessidade de receber para só então retribuir?

Não consigo ver uma resposta única para esta pergunta. Na verdade, não há uma resposta que possa ser considera certa. Felizmente, tudo depende da realidade de cada um e da forma como a intereferência do grupo acontece na vidinha de cada indivíduo.

No meu caso, é bastante frequente que a iniciativa venha de mim.
Não sei bem o que acontece, mas eu acabo sentindo vontade de demonstrar o que estou sentindo mesmo que o outro lado ainda não tenha verbalizado a recíproca.
Tenho bem pouco medo de não estar despertando a mesma coisa na mulher que está ao meu lado e não faço muitos rodeios para escancarar.
É claro que não saio dizendo esse tipo de coisa para qualquer moça e em qualquer momento. A idéia é deixar que o instinto detecte mais ou menos a hora certa e deixar o resto por conta das palavras e gestos.

Fui o primeiro a soltar um "te adoro" no telefone. A resposta veio imediata e não precisei olhar para a rosto dela para saber que havia um sorriso aberto naquele rosto claro e delicado.

O "te amo" veio através de um cartão de Natal.
Era o nosso primeiro Natal juntos e já estávamos muito ligados. Na verdade, nossa ligação já era tal que eu, que não sou o maior fã de mudanças de qualquer tipo, acabei deixando minha família de lado para me empanzinar de quitutes natalinos com a família dela.
Não estou acostumado à barulheira de celebrações de parentes e por isso me incomodei um pouco, mas a presença dela compensou demais o sacrifício e embalou a vontade de escancarar de novo.
Entreguei o cartão e pedi para que ela só o lesse depois que eu fosse embora.
Desta vez tive que fazer um exercício um pouco maior para imaginar o sorriso de espanto que ela estaria exibindo após ler aquele tipo de declaração.

Depois desse emblemático cartão ela se sentiu livre para dizer qualquer coisa que estivesse sentindo.
Os "eu-te-amos" por telefone não são muito numerosos para nenhum dos lados, mas quando saem vêm cheios de coisas positivas.
Como dizem lá no interior, por onde passa um boi passa uma boiada.

Com a San também fui o primeiro e dizer coisas, mas faz muito tempo que isso aconteceu e prefiro deixar que esse tipo de coisa descanse em paz.
Vale mais a pena pensar que outras coisas posso dizer primeiro para fazê-la feliz.

Voltando à pergunta inicial...
Não existe vez, não existe regra, não existe obrigatoriedade.
A verbalização deve partir de quem se sente à vontade com ela, de quem se sente mais livre para fazê-la e de quem tem menos medo de receber alguma resposta que não esteja à altura da expectativa.
O negócio é se jogar no rio e não se preocupar muito com a profundidade da água.
Que Ele decida o que aconteça!!

quinta-feira, agosto 28, 2003

Por que casar?

Sempre gostei de admirar igrejas.
Talvez isso tenha a ver com fato de um nunca ter sido obrigado a freqüentá-las por conta dos pouco efetivos compromissos religiosos típicos da infância das crianças latinas.
Minhas idas à “casa de Deus” eram bissextas e sempre estavam envolvidas por um certo desconforto por desconhecer os rituais e as respostas aos pronunciamentos do padre. Eu sempre abria a boca è esmo e tentava adivinhar o que as outras pessoas diziam.

Esse “concurso de imitação” rolava sempre que eu era surpreendido por uma missa ou casamento, mas mesmo nesses momentos solenes eu não perdia a oportunidade de olhar para os vitrais, as estátuas e os altares que estão espalhados nesse tipo de lugar.
Sou capaz de ficar o tempo inteiro olhando pra cima procurando por cores diferentes e por motivos para aqueles desenhos estarem lá. É claro que poucas igrejas têm algo parecido com a Capela Sistina, mas eu consigo me divertir bastante até em capelas com meia dúzia de banquinhos e nenhum genuflexório.
Para quem não sabe que diabo é isso, aqui vai a luz do meu conhecimento: genuflexório é aquela madeirinha baixa onde a gente se ajoelha para rezar ou onde a molecada passa quando quer se livrar dos pais durante os casórios.

Esse meu afastamento das coisas da igreja deve ficar bem claro para que não seja confundido com falta de fé ou falta de crença no divino. Eu acredito em Deus, mas não na igreja e nos seus rituais de obrigação e punição. Prefiro uma conversa mais direta e menos rancorosa com o Chefão.

Tudo estava indo bem na minha vida sem igrejas até o dia em que fui convidado para um casamento em uma certa igreja na Rua Maranhão. Acho que era o enforcamento de um ex-cunhado e por isso não tenho a situação muito clara na memória.
Devo ter ficado o tempo todo olhando para os vitrais e dando pouca bola para as peruas empetecadas e para a antipática da minha ex-cunhada entrando e saindo da igreja. Isso certamente aconteceu ao longo de toda a cerimônia.
Outra coisa certa foi a minha surpresa quando os noivos foram trocar alianças e uma chuva de pétalas caiu em cima deles. Pode parecer brega, mas valeu a pena deixar de olhar os vitrais e olhar para frente, para variar um pouco.
Na verdade é bem brega, mas ainda assim curti muito aquele lance. Gostei do efeito simples, algo como uma benção física para a cerimônia espiritual.

Os noivos saíram da igreja com algumas pétalas perdidas no meio do arranjo de cabeça e do exagero de gel e eu fiquei lá pensando que talvez o casamento não fosse algo tão esquisito assim. Parece que eu havia sido convertido sem perceber. Foi covardia.
À partir daquele momento larguei mão de achar que casamento rima com morte ou com escravidão. Parei de achar que tinha que viver tudo o que podia antes de me amarrar por que depois não haveria espaço para isso. Deixei de lado a necessidade quase predadora de dormir com 100% das mulheres que cruzavam a minha frente e faziam meus hormônios saírem da latência.
Obviamente isso não aconteceu de uma hora para a outra, mas as tais flores caindo do teto acabaram significando uma espécie de virada.

Depois desse episódio existiram relacionamentos, namoros, casos, transas, mas nenhum plano sério de andar naquele corredor estreito, decorado por flores, com gente dos dois lados e com flashes estourando a cada cinco segundos.

Tive que apelar para a importação de um tesouro das Minas Gerais para mudar esse quadro.
Tive que ampliar horizontes para aumentar minhas chances de escutar a música que foi tocada no enterro do meu avô materno, Ave Maria, durante as bênçãos aos amigos que estiverem chorando enquanto fico fantasiado de pingüim lá na frente.
Acho que isso responde a pergunta do título: uma das boas razões para e casar é para ter rosas caindo do teto sobre a minha cabeça.

quarta-feira, agosto 27, 2003

Levantando o astral

Tenho a tendência de me considerar um otimista.
Ao menos tenho estado bem otimista ultimamente, irritantemente otimista. Por mais casca-grossa que seja a situação, é bem difícil que eu abandone a idéia de que as coisas vão funcionar e vou me dar bem no final.
Isso acaba sendo até meio utópico neste mundo onde pouca gente controla as coisas da sua vida, mas não estou nem um pouco preocupado com o que consideram como regras de comportamento. Vou na minha onda otimista e “vamo que vamo”!!

O lado bom de estar em uma fase otimista é que as coisas sempre podem melhorar.
Não tem nada de errado nessa frase. É isso mesmo que eu quis dizer: por melhores que estejam, as coisas sempre podem melhorar.
Fui estapeado por essa máxima pouco antes de deixar a academia um pouco de lado por conta de uma lesão complicada na mão.

Como era de se esperar, o terceiro problema seguido na mão da caneta, do garfo e do sexo me deixou bem pra baixo e de poucas palavras. O olhar estava meio torto pra baixo e nem a habitual “zoação” com o Nélson, o japonês de Assunção, estava rolando direito. Nessa situação, meu habitual otimismo não estava adiantando muito.
Não demorou muito para que aquela professora baixa, magrinha e descendente de portugueses me desse uma chamada e quase me desse um tapa na orelha.
Ela ficou uma arara ao me ver daquele jeito e não me deixou terminar nenhuma frase que não tivesse algo a ver com recuperação e volta por cima.

Não consigo medir o quanto isso fez diferença na situação, mas sei que o simples medo de ser estapeado fez com que eu pensasse muito bem antes de abrir a boca.
Acho que parei de sentir auto-piedade e resolvi aceitar que só havia uma coisa a fazer: esperar o diabo do osso colar de novo!!
Devo boa parte disso à minha professora de natação, de sobrenome português e corpo sarado.

Ainda não estou 100%, mas já dá para contar com todos os dedos novamente. A utilidade que darei a esses dedos é totalmente da minha conta, mas a idéia de pensar em coisas úteis pode até ser exportada para quem estiver a fim.
Afinal de contas, otimismo demais deve ser chato. Para os outros, claro.
Mas como diria um grande amigo meu: ema, ema, ema, cada um com os seus “pobrema”.

terça-feira, agosto 26, 2003

Astrologia

O primeiro sinal de que havia química aconteceu logo depois que o filme começou.
A gente havia se conhecido pouco tempo antes, naquele mesmo dia, depois de alguns meses de conversa virtual: foram dezenas de páginas de e-mails antes de decidirmos marcar um encontro.
Passei para pegá-la no apê que o pai mantinha na Vila Mariana e fomos direto ao cinema. Como a sessão ainda demoraria para começar, fomos comer um beirute no Frevinho da Augusta.
O Belas Artes estava bem pertinho dali e por isso não estávamos preocupados ou com pressa.
Depois do lanchinho e de um papo muito animado, pegamos a Paulista e entramos no cinema.
O filme era “Melhor Impossível” com o Jack Nicholson e até que contribuiu para que continuássemos a nos entender.
Até esse momento eu não tinha a melhor idéia de que nossos signos tinham algum tipo de ligação, que tinham a ver em muitos aspectos.

Nunca fui muito ligado em coisas de signos, horóscopos e quetais, mas o resultado do contato com a pele branca daquela publicitária taurina me fez passar a prestar muito mais atenção no assunto.
O primeiro contato foi teoricamente inocente: encostamos nossos cotovelos quando ela foi se ajeitar na poltrona. Senti um leve choque. Até estranhei um pouco o que acontecia, mas preferi esperar para ver o que aquilo significava de verdade.

Do cinema fomos de volta para o apê. Já era mais ou menos meia-noite e nossa animação para falar não parecia ter fim. Falamos sobre um monte de coisas e devastamos as poucas latas de cerveja que ainda restavam na sua geladeira. Toda essa conversa rolou a uma respeitosa distância, mesmo que eu ainda me lembrasse da química do cinema.
Na hora de ir embora a gente se aproximou demais. Só saí de lá por volta das sete da manhã. Devo isso ao vizinho que precisava tirar o carro de uma vaga que estava bloqueada pelo meu.
Acho que a química fez o seu papel.

Outra taurina na minha vida foi a Ju, mas dessa eu não tenho muito a falar. Na verdade nem quero. Não vale a pena.

A moça que morava em Bauru era um pouco mais velha do que eu. Nada que fizesse muita diferença, a não ser pelo seu grau de maturidade: ela já sabia bem o que queria da carreira e eu ainda era um moleque recém saído da faculdade e que não podia faltar às aulas de inglês para ir visitá-la.
Foi exatamente a bendita aula de inglês que me fez chegar tarde na casa dela. O mapa que eu tinha estava bem certinho e quase não me perdi.
Nosso primeiro encontro foi meio sem graça, mas não demorou muito até que a gente quebrasse o gelo e a mão dela ficasse sobre a minha durante longos minutos. Pouco depois já não dava para saber onde estavam as mãos e o computador ficou funcionando para ninguém.
Fui embora no dia seguinte e nenhum de nós tinha planos para um novo encontro. Já tínhamos experimentado o que queríamos e era mais legal deixar as coisas como estavam.

Já falei de outras taurinas antes. Minha dentista e melhor amiga e a moça de cabelos curtos que preferiu meu melhor amigo (que também era de Escorpião, como eu) são dois dos exemplos que mais gosto de lembrar.

Ainda bem que eu jamais tentei negar que o signo do Touro sempre me fez bem.
Entretanto, um passarinho me contou que uma certa pisciana pode fazer a grande diferença na minha vida. Vejamos...

segunda-feira, agosto 25, 2003

Vida simples

Me lembro perfeitamente da minha mãe contando as estórias de quando era adolescente e estudava junto com os irmãos.
Eles viviam em uma pequena cidade do interior e estudavam em um colégio interno em uma cidade próxima, pouco maior do que a deles.
Era natural para todos os seis irmãos (contando a minha mãe) que rolassem alguns preparativos durante o período das férias, afinal de contas, eles passavam longos tempos sem botar os pés em casa e tinham que se virar de alguma maneira para cobrir todas as necessidades que tinham.
A volta para casa era sempre muito comemorada, mesmo que fosse apenas um feriado prolongado.

O mais legal das estórias da mamma não tinham muito a ver com as aulas ou com os professores. O legal era ouvir o que eles faziam nas férias.

Meu avô tinha uma pequena propriedade onde criava alguns animais e brincava de fazer vinho. Eu mesmo cheguei a pegar uma das “cerimônias” de esmagamento de uvas com os pés em uma enorme tina de madeira. Coisa fina!

Mas voltando à minha mãe e seus irmãos...
Eles tinham o costume de fazer mutirões para fazer geléias, doces e outras guloseimas que pudessem levar para o colégio interno e sentir um pouco menos de saudade de casa.
Não me lembro bem quem fazia o que, mas sei que existia ao menos um responsável por descascar as frutas, outro por preparar as panelas e ainda outro por mexer o caldo até atingir o ponto certo da geléia.
Os produtos da atividade familiar variavam de geléias de amora, ameixa, pêssego e uva, até doce de leite, leite condensado e queijos frescos. Tudo muito natural, tudo muito gostoso e puro.

A simplicidade com que eles viviam o período das férias era sensivelmente diferente do que estamos acostumado a ver hoje em dia. Naquela época não havia Internet, TV a cabo, Playstation 2 ou Revista VIP. Sei que para muitas pessoas que conheço, essas “maravilhas culturais” são imprescindíveis, mas para meus velhos tios não significavam nada. Menos que isso até.
Para eles, o mundo terminava depois de 40 minutos de viagem de ônibus e o máximo em emoção era catar camarões de água doce em riacho pedregosos e rasos. Eu mesmo experimentei essa última brincadeira e posso afirmar que dá para curtir um bom par de horas sem pensar em nada.

Meu pai também teve sua parte de estórias “de interior”. Uma grande cicatriz na perna direita está aí para provar isso. O velho não era nada bobo, não.
Vai saber que coronel foi responsável por esse corretivo??

Mesmo que alguns cientistas chatos e bitolados venham me dizer que uma coisa nada tem a ver com a outra, gosto de pensar que esse gosto pela simplicidade é uma coisa hereditária.
Nunca participei da elaboração de geléias para o colégio interno, mas acho que me sentiria muito bem se tivesse meus irmãos me acompanhando nessa.
Deve ser por isso que os olhos da minha mãe brilham sempre que ela conta essa estória.

sexta-feira, agosto 22, 2003

Fazendo a sua parte

Existem coisas que frustram mais do que satisfazem, que entristecem as pessoas simplesmente por existirem e que só existem para causar confusão.
Uma dessas coisas é a mania de controle que muitas pessoas têm. Até que isso não seria tão ruim se o controle não tendesse a englobar coisas que estão léguas de distância da área de influência da pessoa.

É esquisito pensar que alguém possa se frustrar e sofrer por que o chefe é mal humorado ou por que a sopa não está salgada o suficiente. É esquisito, mas é verdade. A esmagadora maioria das pessoas sente uma vontade quase incontrolável de agir como um controlador de marionetes e ter uma cordinha atada a tudo que passa na sua vida.
Infelizmente a experiência mostra que não dá para ter esse tipo de controle, não dá para cuidar de tudo aquilo que nos afeta, não dá para assumir todas as responsabilidades do mundo.

Um bom exemplo do que não se deve fazer é a atitude de uma amiga distante com relação a namorados. Ela levou algumas bordoadas da vida e passou a ficar descrente de tudo e de todos. Ela parou de sair e caiu em uma patética situação de auto-piedade e prostração. Nada estava bom e ninguém era adequado.
Isso durou até quando os hormônios começaram a cobrar seu preço (ela ainda é bem jovem e costumava ter uma vida sexual bem ativa com os namorados e casos passageiros) e quando os amigos solteiros começaram a se arrumar.
As companhias para os cinemas e viagens ficaram mais raras e ela percebeu que estava ficando sozinha.

Até aí, tudo bem, né? Era só ela sair mais e começar a conhecer gente nova, certo?
Pode parecer contra-producente, mas ela fez exatamente o contrário: se trancou em casa e só saía para trabalhar ou ir à igreja. Nem à academia ela ia mais por que dizia que “todos olhavam para ela com desdém”.
Acho que já deu para perceber que ela abandonou a responsabilidade sobre a sua vida e “fugiu da briga”.

Teria sido muito melhor se ela tivesse “arrumado a casa” e expiado os traumas do último relacionamento. Ao resolver internamente o que estava errado ela teria feito a sua parte na solução do problema maior: compartilhar a vida com outra pessoa.
Não adiantaria ter tentado mudar o comportamento das outras pessoas ou achar que o príncipe encantado iria bater na porta da sua casa e pedi-la em casamento. Isso não acontece nem nos desenhos da Disney. Até lá as pessoas tem que fazer a lição de casa para terem direito à felicidade.

Essa atitude de fazer o que está ao seu alcance vale para tudo na vida.
Do crescimento no trabalho (através do estudo, atitude pró-ativa e colaboração) até os relacionamentos, o que importa é tomar as rédeas daquilo em que se pode atuar e deixar de se preocupar com as coisas que dependem da migração das borboletas azuis de Madagascar ou, de forma mais próxima, de atitudes de outras pessoas.
Via de regra, essa preocupação com o que não se pode controlar não traz nenhum benefício. Muito pelo contrário.

Sobre a minha amiga??
Ela caiu na real, assumiu uma atitude positiva, voltou a sair, ampliou seu círculo de amizades e acabou encontrando um cara legal para namorar.
Parece que a tal atitude de fazer a sua parte deu certo.

quinta-feira, agosto 21, 2003

Às avessas

Tenho uma amiga que tem um certo preconceito com mulheres descasadas e com filhos.
Ela acha que se o filho dela se envolver com uma moça nessa situação, a reação dela não será das melhores e o relacionamento entre eles pode não ser muito pacífico e agradável.

Por mais infundado que isso possa parecer, acho que o instinto maternal tende a optar pela proteção da cria contra algo desconhecido e potencialmente “perigoso”.
As aspas são necessárias por que não existe forma de ligar diretamente os relacionamentos anteriores com o risco da vida amorosa atual. Não dá para dizer que um relacionamento não vai dar certo só por que a moça já tem uma separação no currículo ou por que o pai da criança não é o parceiro atual. Seria muito injusto dizer que uma mulher separada não pode voltar a ter um parceiro, um marido.

Injustiças à parte, essa minha amiga não curte muito a idéia de herdar netos.
Não fosse um pequeno detalhe, ela não seria muito diferente de muita gente neste perdida nesta terra doida, com seus preconceitos e manias.
Não sei se é triste ou engraçado, mas esta minha amiga está separada há muito tempo, sua muito para botar algum juízo na cabeça do filho pequeno e acabou de sair de um relacionamento com um cara mais novo.
Foi engraçado ouvir a respeito da atitude meio “canibal” que ela imaginaria ter caso estivesse no lugar dos pais do ex dela. Por falar em pais, ao que parece ela foi muito bem recebida após a desconfiança inicial. Entendi que os sogros estranharam a atitude inicial do filho, mas acabaram se convencendo de que a história dela não era promessa de infelicidade para o filho. Eles a aceitaram tão bem que chegaram a oferecer um apartamento mobiliado com a condição de que ela gostasse da distribuição dos quartos.
O apartamento não foi aceito e o relacionamento foi terminado, mas não por problemas com os sogros. Parece que aquele casal incomum não devia mesmo ficar junto.

Mesmo depois da boa experiência com a família do namorado, essa moça que conheço não mudou a sua idéia de “parceira ideal” para o filho. Ela continuou achando que alguém como ela mesma não seria boa para alguém como o seu filho.
Só posso acreditar que ela é insegura a respeito da sua própria capacidade de ser feliz. Temo que ela se julgue culpada por algo que não deu certo no casamento desfeito e nos namoros terminados. Acho que lá no fundo ela acha que não pode mais ser feliz.

Só isso me explicaria esse tipo de pensamento, de preconceito, de mania.

Espero que ela se dê conta de que não vai a lugar nenhum assim. Seria muito bom se ela eliminasse da cabeça essa “proteção” que quer ter em relação ao filho.
Algo me diz que só depois disso é que ela vai estar pronta para ser feliz de novo.

quarta-feira, agosto 20, 2003

Três acordes

A mania de encurtar caminhos começou na escola.
Eu sempre procurava definir uma forma mais ou menos única de fazer as coisas e demorava muito para abandonar o esquema que tivesse dado certo uma vez. Se o jeito de estudar rendia uma nota satisfatória, eu não perdia muito tempo explorando outra forma na busca de algo mais. O risco não me atraía e a eficácia no rendimento me deixava muito satisfeito.

A idéia sempre foi seguir pelo caminho mais simples possível, sem muito rodeio, sem muita sofisticação. Nunca entendi pessoas que usam palavras difíceis para falar sobre coisas fáceis. Falar em semiótica quando se está sentado em uma mesa de bar sempre me deixa de mau humor. Não gosto de conversar com esse tipo de pessoa que não tem flexibilidade de se adaptar ao ambiente em que está. Parecer intelectual em uma mesa de gente simples é fácil. Difícil é ganhar a simpatia e a amizade falando a linguagem deles.
Apesar de ter algum conhecimento e de ter aprendido alguma coisa ao longo dos litros da minha vida, é muito complicado me fazer falar sobre coisas que não são de domínio ou ao menos de conhecimento de todos. Não aceito a segregação em nenhum sentido.

Tudo isso é para tratar do meu jeito meio “três acordes” de ser: tudo muito simples e direto.

Sou assim no trabalho. À partir do momento que estabeleço uma forma de fazer alguma atividade, é preciso muita realidade para me fazer mudar de idéia. Não que eu seja impermeável a novas idéias, mas preciso de provas bem concretas para admitir que o jeito da outra pessoa é melhor do que o meu.
Fui assim na escola. Depois de decidir de que forma fazer a prova, eu raramente mudava uma resposta durante a revisão. Era meio que teimosia responsável. Nem sempre me dei bem com essa política, mas se estou aqui hoje é por que a coisa não era de todo ruim.

Aprendo muito na prática. Faço, chego a algum bom resultado e crio um hábito.
Se não dá certo, penso um pouco, dou uma ajeitada aqui e ali e toco de novo. Até acertar. Até ficar satisfeito com o resultado.

Foi mais ou menos assim com tudo aquilo relacionado à minha vida sentimental.
Ninguém me ensinou a beijar, a abraçar e a fazer uma mulher feliz. Tive que aprender tudo na marra. Se ao menos eu tivesse um manual de instruções.
Não, esse tipo de coisa não se aprende em livros. Nem se aprende em cursos ou seminários.
Você precisa cair muito para aprender a lidar com outra pessoa. Precisa descobrir o que faz feliz cada mulher que passa pela sua vida, mesmo que esta frase se resuma a um improvável singular.
Comigo foi assim. Aprendi a fazer a outra pessoa feliz ao descobrir um jeito simples e ao errar muito a cada vez que fazia amor. Deixei muita gente infeliz no caminho, mas não foi de propósito. Só estava tentando achar a melhor maneira de agir, a melhor forma de me relacionar, o melhor jeito de demonstrar que estava feliz.

Espero que o jeito que estou usando agora seja o melhor. Espero que eu tenha descoberto a tal “fórmula simples e direta” que fez parte de tudo na minha vida. Espero que a minha mineira só tenha a agradecer aos outros capítulos e ensaios.
Espero que eu consiga amar em três acordes.

terça-feira, agosto 19, 2003

Namorar por namorar

Era uma outra época, um outro momento na vida de um grande amigo. Até mesmo a nossa amizade era diferente, menos próxima, menos compartilhada, menos cúmplice.
Nessa época ele tinha saído de um relacionamento longo e vivia um momento de pessimismo e certa desesperança. Do namoro à casa montada em conjunto, passando pelos planos de cerimônia na igreja, foram oito anos de convivência com a namorada do colégio.
Eles praticamente amadureceram juntos e construíram muita coisa. Acredito que o apê só saiu pelo trabalho conjunto de ambos, por mais que o dinheiro tenha saído do bolso dele.

Era meio natural que um relacionamento tão longo e marcante deixasse suas cicatrizes, mas não foi exatamente o rompimento que o fez sofrer de verdade. Ele ficou triste por ter que terminar, mas havia outra coisa no meio desse caldo, algo que o transformou de um jeito muito mais nocivo.
Não quero falar da causa, mas sim do efeito: a sua desesperança em relacionamentos e a vontade de não se envolver com ninguém.
Foram essas coisas ruins que o fizeram me dizer, em uma noite de warm up para a balada, que ele estava disposto a arrumar uma namorada só para não ficar sozinho. Ele iria começar a namorar por namorar.

Na hora fiquei meio sem saber o que dizer, mas hoje lamento essa decisão de alguém tão próximo e querido. Lamento que ele tenha desistido por um momento da luta por relacionamentos que valessem a pena e que tenha se rendido à solução menos complicada de ter companhia para cinemas e sexo. Lamento que ele não pudesse dizer que sentia saudade da moça que estava ao seu lado e que as preocupações em relação a ela se resumissem à sua segurança pessoal e a um bom desempenho na cama.
Esta última colocação é totalmente por minha conta, mas deve ter tido algo a ver com o que aconteceu.

Felizmente, esse pessimismo durou apenas um relacionamento. Pena que foi com uma amiga comum, mas acredito que ela não tenha sofrido tanto já que tempos depois conheceu um cara que tinha mais a ver com ela e que concretizou o sonho de infância de se casar com todas as pompas que o dinheiro pode comprar.
Com a namorada seguinte ele já conseguiu se dedicar mais, gostar mais, se preocupar mais. Pena novamente que desta vez foi a moça que não colaborou. A apresentadora de TV tinha seus próprios planos e devia sofrer da mal fadada “síndrome do relacionamento seguinte”.

Algum tempo depois da decisão de apenas evitar a solidão, ele voltou a sorrir e a amar.
Não sei bem quando isso aconteceu e nem se as duas coisas vieram juntos. O certo é que hoje não existem relacionamentos sem profundidade, sem sentimento, sem o gostar.
Hoje a sua dedicação à namorada é de dar inveja e pode até provocar ciúmes nos amigos mais íntimos.
Acho que é melhor assim. Que seja assim então. E que a gente possa estar alerta para qualquer recaída para a superficialidade.

segunda-feira, agosto 18, 2003

Produção independente

Ela é bem pequena e delicada, estilo bonequinha mesmo.
Se não fosse pelo corpo escultural resultado de uma alucinada rotina de exercícios, a gente poderia pensar que um vento mais forte a carregaria para longe.
Seus traços mezzo-orientais mezzo-portugueses a tornam um belo exemplar de miscigenação maravilhosamente bem sucedida. Seu jeito doce de falar acaba fazendo o assunto perder um pouco de importância: é muito mais gostoso se concentrar apenas nos seus gestos ao explicar a dinâmica de uma obra ou os problemas de relacionamento com o chefe.
Ah, é importante que se diga que a sua profissão a faz lidar com gente bem pouco acostumada com doçura e delicadeza.

E é exatamente esse jeitinho que torna mais curiosa a sua idéia de relacionamentos e maternidade.
Na contramão da maioria das moças que conheço, ela não acredita que nasceu para o formato namoro-noivado-casamento-filhos. Na verdade, nesse conjunto de “objetivos”, somente a casa cheia de bacuris faz seus olhos brilharem.

Certa vez ela me falou sobre um imaginário “medidor de preparação para ter filhos”.
O conceito dessa coisa esquisita seria a maturidade ou preparação da pessoa para encarar o desafio de colocar uma nova criaturinha no mundo.
Enquanto eu ainda não havia passado do terceiro nível, em uma escala de dez, ela já estava com o ponteirinho batendo no onze. Daqui a pouco o medidor acaba estourando e fazendo o maior fuzuê.
Até aí nada diferente do que muitas outras meninas desejam para a felicidade das suas vidas.
O detalhe diferente desta linda mestiça é que o marido não é parte essencial do pacote. Segundo ela, se ele existir, bem, se não, idem.

Fiquei muito surpreso quando ela disse que jamais havia tido o casamento como objetivo, apesar de já ter chegado perto dele em relacionamentos anteriores. Na verdade, ela só não se casou por que enrolou o rapaz até um ponto onde já não havia outra saída. Aparentemente ela não cedeu e o pretenso marido espanou.
Fiquei quase chocado quando fiquei sabendo que o momento de ser mãe estava muito próximo e que o pai já estava pré-selecionado. Perguntei o que isso significava e ela me contou que existe uma pessoa muito especial que fará o papel de pai caso ela ainda não tenha preenchido a vaga de marido.

Essa idéia de independência não combina muito com aquele jeito doce, mas depois percebi que realmente eu não conhecia nada sobre ela. Na verdade, essa foi a primeira conversa mais aberta que tivemos e fiquei feliz por ela ter se sentido à vontade para me contar coisas tão íntimas.
Algumas outras pessoas acabaram participando da conversa e dando suas opiniões, mas o principal já havia sido trocado comigo e me senti muito lisonjeado por isso.

Espero poder continuar a acompanhar essa mistura de doçura e decisão e que ela realmente encontre aquilo que está procurando.
Na verdade, tenho minhas próprias opiniões sobre relacionamentos e filhos e por isso vou torcer por ela ao meu jeito. Espero que o pacote completo venha e que a felicidade plena esteja logo atrás.

sexta-feira, agosto 15, 2003

Alegria

Quando cheguei em casa elas ainda estavam acordadas: minha mãe andando pelo quarto meio sonolenta e ela chorando no seu colo. Não achava que poderia fazer alguma diferença já que não sabia nada sobre saúde e menos sobre crianças, mas ainda assim quis tentar ajudá-la e a peguei no colo.
Devem ter sido as batidas rápidas do meu coração meio desesperado ou o calor do suor medroso que eu sentia ao pensar que poderia ser algo mais grave, mas ela parou de chorar. Até hoje a gente não sabe a razão, mas nenhum de nós tem tentado descobri-la.
Ela parou de chorar, me olhou meio de lado e adormeceu. Olhei para minha mãe e sorri. A gente certamente tinha uma ligação especial.

Essa é a lembrança mais gostosa que tenho daquela menina com nome de sentimento e que não vejo a mais tempo do que gosto de me lembrar. Na verdade, já não me lembro de muita coisa, mas esta é outra estória.

Ela nasceu meio que por acidente. Um maravilhoso acidente de percurso que deu um objetivo à família e fez com que algumas coisas ficassem muito menos importantes.
Todos tinham seu papel na dinâmica da casa com aquela mocinha. A um cabia a alimentação, a outro a diversão, outro cuidava do transporte e o resto só babava ovo.
Até as doenças e visitas ao hospital viravam um assunto de família: os que não iam no carro, ficavam no telefone atrás de notícias e de esperança.
Vivíamos mais ou menos em função dela e éramos felizes com isso.

Mas o destino quis que a menina com nome de sentimento buscasse a sorte em outras paragens, seguindo os sonhos da mãe.
A família teve que buscar outras coisas sobre as quais girar e acabou conseguindo se acertar.
Os meses se passaram e as notícias acabaram concentradas em alguns e repassadas a outros. Não havia como ser diferente. Não havia como contar com a participação de todos. Não havia como não mudar.

A mudança da rotina fez com aquela menina saísse um pouco dos meus pensamentos. Admito que a esqueci devagar, um pouco por não gostar da idéia de vê-la longe, um pouco por sentir um pouco de rancor por não poder decidir nada.
Eu a tirei da cabeça de propósito. Ou tentei, por que ninguém me deixou ter sucesso nisso. Todos que a visitavam traziam lembranças, fotos e recados.
Capitulei quando recebi uma foto tirada especialmente pra mim: ela estava mais velha, mais magra e com um dente a menos. Depois me disseram que a foto era especialmente para o “tio”.
Chorei escondido, mas com gosto. Não tinha como negar que ainda a amava.

Ainda vou vê-la de novo e nessa hora vou querer colocá-la de novo no meu colo e ver se consigo acalmá-la mais uma vez. Afinal de contas, funcionou uma vez, né?

quinta-feira, agosto 14, 2003

Fetiches

Dia desses estive com uma amiga que fiz recentemente e que cultiva uma bela e volumosa cabeleira castanha. A minha amiga é muito bonita e o cabelo ajuda muito a chamar a atenção de homens e mulheres. Se eu não estivesse conversando com ela, certamente a minha atenção também seria chamada.
Acontece que ela cometeu o ato involuntário de me dizer que já havia tentado deixar os cabelos bem curtos mas que não havia gostado da experiência. Na mesma hora, o lado sacana da minha personalidade ficou elocubrando sobre como aquela moça poderia ficar ainda mais atraente sem aquelas longas madeixas. Ainda bem que isso só durou até o momento em que ela virou um copo de Erdinger escura e quebrou o encanto.

Pensando novamente na cena, me lembro do poder que pescoços femininos à mostra sempre tiveram sobre mim. Acho que descobri essa “fraqueza” quando vi o primeiro filme com a Winona Ryder. Não, não foi isso. Agora me lembro que a grande responsável por isso foi a Demi Moore naquela poça de lágrimas chamado Ghost. Ela estava bem mais cheinha do que agora mas os cabelos...
Ah, que beleza de fios curtos e de exibição de orelhas!!!

Depois da ex-senhora Bruce Willis, eu tive meu próprio quinhão de moças fortes o bastante para cortar o cabelo bem ralinho e encarar igualmente o vento frio e a admiração de moças com gostos distintos.
Não quero dizer que cabelos longos sejam menos bonitos. Jamais diria isso, ainda mais se pensar em uma certa cabeleira loira e não muito lisa, mas um ponto inegável é que o pouco comprimento me transmite uma energia difícil de resistir.
Algumas dessas moças escreveram capítulos deliciosos na minha vida e outras significaram momentos de confusão e derrota. Em comum, uma coisa: nucas à mostra.

Ainda hoje, durante os encontros etílicos com os amigos, sempre reparo mais na moça de cabelos “joãzinho” do que na mega-loira com litros de oxigênio na cabeça. É certo que invariavelmente a moça é tão bonita que até meus amigos olham para ela, mas juro de pés juntos que o que me atrai primeiro é o cabelo.

Mesmo ficando tão indefeso frente às moças da coragem capilar, acho que não dá para resumir um amor ou um relacionamento no tamanho da vaidade ou da personalidade de uma mulher.
O fetiche realmente atrai, mas é algo mais que mantém o interesse, que faz a troca, que faz valer a pena.
E desse algo mais eu descubro uma fração a cada quinze dias, a cada ida à rodoviária, a cada pizza no domingo à noite. Quem sabe um dia eu não descubra o segredo?

quarta-feira, agosto 13, 2003

Impressões – Parte 4

Depois de ter passado por Paris, era complicado que algum outro lugar do Velho Continente pudesse representar tantos sonhos, experiências e saudade quanto a capital dos franceses. Estávamos meio amuados e achávamos que o melhor da viagem tinha acabado logo no começo.
Não estávamos de todo errados, mas também não tínhamos idéia do que apareceria à medida que aquele Renault 19 seguia rumo ao Sul.

Saímos pela mesma Peripherique que nos acolheu e queríamos chegar a Bordeaux ainda no mesmo dia. Não sabíamos que os arredores pudessem estar tão cheios de castelos e pequenas vilas mas não havia muito tempo para parar e dar uma olhada. Era até meio triste ver aquelas placas ficando para trás, cada uma com uma silhueta diferente e um significado que não descobrimos.

Rodamos um monte antes de parar e pensar até onde queríamos mesmo ir. A terra dos vinhos parecia interessante, mas nenhum de nós curtia muito a bebida de Baco e nos surgiu a idéia de seguir em frente. Pensamos em Biarritz, para dar uma olhada nas praias da costa atlântica mas a lembrança das paisagens do Dia D não nos incentivou nem um pouco.
Pensamos, pensamos, pensamos e não decidimos um destino. Até parecia que estávamos em uma loja de doces. O problema é que era uma loja meio vazia para os nossos interesses.
Então entramos no carro e fomos em frente. Acabamos escolhendo nossos destinos vencidos pelo cansaço: já eram quase seis da tarde quando chegamos a San Sebastián e ficamos por lá mesmo.

O País Basco foi uma grata surpresa. Depois descobrimos que aquele era um dos mais famosos balneários da Espanha e que a galera lotava as praias, ruas e bares. O clima estava frio demais para praia, mas não perdemos os bares. Estávamos meio deslocados em meio a tantas camisetas do Athletic Bilbao, mas pegamos uma mesa e caímos nas tapas.
No dia seguinte subimos ao Monte Igueldo, que não é nenhum Pão de Açúcar, mas até que nos deixou ter um bom panorama da fria costa Basca. Não vimos nenhuma gostosa de biquíni mas a gente se virou com as espanholas de jaquetas e gorros. Demos muita risada com os bigodões e chapéus engraçados dos policiais e pegamos a estrada rumo à capital.

Uma coisa que eu nunca tinha visto e que não paramos de encontrar antes de chegar a Madrid foram campos de girassóis, infinitos campos de girassóis. Para quem só havia visto as sementes quando a mãe voltava da quitanda, ver uma florzinha amarela atrás da outra foi bem marcante. Não dava para caminhar na plantação mas ficou a imagem de milhares de folhas amarelas se movendo de acordo com o vento e a posição do Sol. Era mais ou menos como se as plantações de cana de Ribeirão tivessem controle remoto.

Madrid nos recebeu em um tarde quente demais para a nossa parca preparação.
Mais uma vez fomos na louca e não sabíamos onde ficar. Isso de tornou comicamente comum na viagem e depois de algum tempo, paramos de nos preocupar.
Acabamos ficando em um hotelzinho bem razoável no Centro e começamos a planejar o agito da noite. Sabíamos que os espanhóis festavam como os brasileiros, mas não tínhamos idéia de que eles poderiam ser parecidos também em outros hábitos menos católicos: deixamos o carro na rua para dar um passeio e quando voltamos, estávamos sem rádio. Depois do choque, tivemos que trocar a noite na Pachá por uma visita à delegacia. Acho que quem mais sofreu com isso foi o meu amigo e motorista já que ele teve que passar os outros 2500km da viagem me ouvindo cantar. Ninguém merece isso.

O roubo fez o tesão por Madrid brochar e decidimos seguir em frente. Nem mesmo o impressionante Valle de los Caídos conseguiu mudar a nossa vontade de ir embora.
O destino da vez era Barcelona e desta vez já sabíamos onde ficar. O grande problema foi achar o diabo do endereço. Tivemos que contar com a simpatia de um catalão que foi o primeiro a me apresentar ao onipresente termo “Vale!”. Anos depois fui entender que isso substitui inúmeros termos desnecessários como “Tudo bem”, “Valeu”, “Beleza”, “Certinho” e afins.
O tal albergue de Barça era um desbunde: um casarão cheio de decorações nas paredes, com quartos para 6 pessoas e cheio de gente jovem e bonita. Me lembro que me “apaixonei” por uma canadense com traços orientais mas ela não ficou sabendo disso. Problema dela.
A noite barcelonesa foi muito mais generosa que a madrilenha e o esquema do albergue ajudava muito os boêmios: os portões se fechavam à meia-noite, mas voltavam a abrir às três da manhã para receber os perdidos. Nós usamos esse expediente durante todos os dias que passamos na cidade.

Antes de sair da Espanha, fomos dar uma volta em Andorra, uma espécie de Paraguai dos ricos, e compramos alguns badulaques. As principais fotos da viagem agradecem essa visita.
Entramos na França sem saber muito sobre a Costa Azul mas isso não era tão necessário: a Costa Azul já sabia tudo sobre a gente.

terça-feira, agosto 12, 2003

Colecionador

O que mais lhe dava prazer era colecionar impressões e sentimentos referentes às mulheres que ele conhecia.
Seu interesse não era pela quantidade de moças que conhecia ou que conseguia levar para cama, mas sim pelo tipo de memória que aquele conjunto boca-corpo-coração-espírito podia lhe proporcionar. A beleza era quase que totalmente dispensável. O importante era a intensidade da memória.

Foi assim com aquela moça vinda do Maranhão. Ela foi a primeira mulata que atraiu a sua atenção e a primeira e lhe mostrar que o gosto do beijo não tem nada a ver com cor ou raça. O dela era doce e meio frio, não de intensidade mas sim de temperatura mesmo. Na verdade, tudo nela era meio frio e era sempre necessário um cuidado especial para que ela não se resfriasse ou ficasse desconfortável.

A dona dos óculos pretos e pesados mostrou como relacionamentos podem ser diferentes quando não é necessário dar satisfações para onde se vai e com quem se está.
Ele ainda morava com os pais e o fato dela estar sozinha na cidade era um prato cheio para experimentar o que lhes desse na telha. O seu jeito de fazer amor era energético e não esperava que ele tomasse iniciativas: ela simplesmente pedia e o envolvia.
Eles alugaram filmes, compraram comida, dormiram juntos, tomaram café, comentaram suas tatuagens e resolveram se afastar quase que ao mesmo tempo.
Ela foi a sua chance de conhecer a vida de uma mulher forte e independente.

A convivência com as fragrâncias da Neal´s Yard foi cortesia da publicitária filha de imigrantes da Letônia. O cheiro da pele daquela moça era quase hipnótico e os longos banhos naquele apê com mais livros do que móveis faziam com que ele não sentisse vontade de voltar para casa.
Ele foi apresentado ao ER, as esfihas de sabores diferentes da Catedral, ao mundo das competições do Soho e à movimentação intensa dos profissionais de propaganda.
A energia daquela pele branca e cheirosa era combustível para uma a vida quadrada e certinha.
A dependência independente que ela tinha com relação aos pais que moravam no interior o fazia pensar no que esperar do futuro.
Ele lamentou ter que se afastar dela, ainda mais por ter sido culpado pela tristeza que ela não merecia sentir.

Entre gostos e alegrias ele foi construindo um álbum bem colorido de lembranças e imagens.
Cada moça que passou pela sua vida significou um crescimento e uma experiência.
Algumas causaram dor e outras receberam amor. Foi a forma que ele encontrou para retribuir o tempo que elas dedicaram à sua coleção.

segunda-feira, agosto 11, 2003

Insucessos

As tardes de domingo costumam ser ótimas para vasculhar os milhentos canais disponíveis no satélite e desenterrar coisas que não se via desde que o Steve Austin valia alguma coisa.
É um tal de dar risada das costeletas do Starsky (ou seria o Hutch), dos blazers com mangas dobradas do Miami Vice e da cara de baby do Brandon Walsh, que às vezes é preciso ir correndo ao banheiro para não estragar aquela almofada que a mãe passou o mês inteiro bordando.
De canal em canal, acabei caindo em um velho filme de guerra onde as principais ações aconteciam em batalhas aéreas. Naquela época as brigas eram muito mais legais já que não bastava apertar um botão e deixar o computador fazer o resto. Era muito mais complicado brigar com o cara do outro lado para ver quem tinha mais habilidade para desviar das balas e transformar o outro em estatística.
Devia ser por isso que cada piloto se orgulhava tanto de carimbar no seu avião o número de adversários derrubados. Aquilo significava suor derramado e glória conquistada.

Fiquei pensando em um aspecto da minha vida onde esse tipo de registro também era válido, embora com uma conotação totalmente invertida. No meu caso, os carimbos não significavam vitórias contra adversários valorosos mas sim decepções com meninas por quem senti algo mais do que vontade de beijar.
Não que eu goste de ficar chorando e me lamentando por quem não me quis ou não me mereceu. Não gosto. Mas esse tipo de fora acaba marcando mais do que alguns sucessos e até mesmo mais do que alguns relacionamentos.
Obviamente, os relacionamentos que deram certo me trazem lembranças muito mais vivas, seja em quantidade, seja em qualidade, mas ainda não consegui entender o estranho fascínio que as derrotas exercem na cabeça e coração de todo mundo.

Me lembro vivamente daquela moça que conheci em uma boate da Cidade Jardim.
Ela foi a primeira que beijei logo de cara. Foi um beijo rápido e leve, mas muito gostoso e carinhoso. Apesar de não saber quase nada sobre ela, fiquei com vontade de vê-la de novo e de fazer as perguntas certas. Isso durou até ficar sabendo por intermédio de uma amiga dela que o interesse não havia passado da segunda saída.

Outro “carimbo” está relacionado com aquela professora de voz rouca que conheci pela Internet. Ela ainda era noiva quando nos conhecemos e meu péssimo poder de observação a obrigou a abrir o jogo para que não sobrasse nenhum mal entendido.
Mesmo assim eu demorei em entender aquele relacionamento onde o cara estava doente e ela ficava com ele mais por respeito à família do que por amor.
Naquela época ela precisava voltar a fazer amigos e se sentir mais viva. Havia sido gasto muito tempo e dedicação para tornar a recuperação do noivo um pouco mais humana e ela estava desgastada demais.
Sai comigo lhe fez bem. Eu a deixava à vontade para voltar a sorrir e resolvi não avançar o sinal e tentar algo mais, ao menos não enquanto ela estivesse naquela fase.
A notícia do fim do noivado veio junto com meu convite para jantar. Comemos pouco, falamos muito, rimos e nos abraçamos. Infelizmente ela não tinha o hábito de beijar amigos e isso marcou o fim da esperança.
Tempos depois ela encontrou alguém e conseguiu nova chance de ser feliz.
Ainda somos amigos, mas praticamente não nos encontramos mais depois que ela não quis me beijar.

Sempre me lembro destes casos quando escuto aquela música do Pato Fu que diz “Das brigas que ganhei, nenhum troféu pra casa eu levei. As brigas que perdi, estas sim, eu nunca esqueci”.
Acho que devo ser grato pelas minhas lembranças não terem muito a ver com grandes decepções, traições ou deslealdades.

sexta-feira, agosto 08, 2003

Valor tardio

A conversa começou na mesa do nosso local tradicional para almoços durante os dias de trabalho. Já tínhamos pedido o tradicional pão francês com manteiga Aviação, para abrir o apetite e apenas fiz continuar a conversa que estava tendo com aquela colega.
Falávamos dos problemas que ela tinha depois de ter terminado o relacionamento com um cara que havia estudado comigo. Esta era mais uma das coincidências desta vidinha passageira e acho que era por isso que ela gostava de falar comigo sobre assuntos do coração.

O fato é que ela estava sofrendo com o fim do romance mas cedo ou tarde acabaria aceitando a situação e fazendo a fila andar. Quer dizer, isso seria uma questão de tempo, se o meu ex-colega não morasse no mesmo prédio e teimasse em manter uma amizade com ela.
Não que eles não pudessem ser amigos, mas é que ela precisava de tempo para lamber as feridas e botar a vida novamente nos eixos. Ele não lhe dava esse tempo e isso não a deixava nada bem. Não entendo por que ele teimava em manter a proximidade se a idéia do rompimento havia partido da sua própria infelicidade. Ele não a queria como namorada mas não a deixava livre para escolher se a amizade lhe faria bem ou não.
Isso durou um bom tempo, mais ou menos até o momento em que a empresa a mandou para longe.
Apesar dos pesares de ter que se cuidar sozinha durante algum tempo, acredito que isso tenha sido muito bom para a sua auto-estima e para arquivar de vez o sentimento por aquele cara que não soube decidir o que queria realmente com ela.

Como estávamos em uma mesa com mais três colegas, a conversa acabou se espalhando e todos deram suas opiniões sobre a situação.
A melhor delas veio do Professor. Segundo ele, faz parte do pacote “macho brasileiro” a idéia de terminar um relacionamento, mas não largar o sentimento de posse, não permitir que a moça o esqueça com rapidez e manter viva a possibilidade de um flashback.
A idéia central é cercar a ex e não permitir que outro homem possa se aproximar a fazer com que ela seja mais feliz do que foi com ele. Isso seria insuportável e poderia mostrar que o problema do relacionamento não estava nela.

Isso se parece muito com filosofia de almanaque, mas a vida dessa amiga (e a minha própria) mostra que não há nada de mentiroso em pensar que a pessoa só passa a se preocupar mesmo com alguma coisa ou alguém quando o alcance começa a ficar difícil, quando a pessoa aprende a se virar sozinha e quando não precisa mais dele para nada.

Deixar de ser importante para alguém deve doer mais do que se imagina.

quinta-feira, agosto 07, 2003

O guerreiro moral

Ontem eu assisti o filme Falcão Negro em perigo.
Não tenho nada contra filmes que mostrem chuvas de balas, mutilações e desgraças gerais, mas este me pareceu meio chato e repetitivo. Fiquei confuso com tantos carros, helicópteros, quedas e resgates mal sucedidos. Era tanto sangue que o churrasco comido no almoço deu alguns sinais de revolta e desistência.
Esse é um tipo de guerra onde quase ninguém fica feliz.

O lado bom da guerra não tem nada a ver com soldados, balas e imperialismo americano.
Existe uma guerra onde podem não existir vítimas e cujo resultado acaba sendo gostoso e prazeroso para todos os soldados. Nesta guerra o objetivo não é matar ou tomar territórios, mas sim beijos e abraços.
Os soldados vão a campo com a intenção de beijar o maior número de pessoas possível e de eventualmente ir um pouco além disso. Dependendo do tipo de batalha, o beijo é limite máximo da vitória.
É certo que nem todos os soldados acham que levam vantagem na guerra. Muitos deles gostariam de firmar um armistício e dedicar seu tempo a conhecer cada detalhe da vida do adversário, até o ponto em que ambos passem a atuar do mesmo lado. Nesse momento eles vão para a reserva e deixam espaço para soldados mais energizados. É a recompensa justa para quem derramou muito suor em nome de uma causa.

Mesmo que não sejam vitimados pelo cansaço ou pela vontade de se concentrar em um adversário específico, existem soldados que possuem um estranho senso de moral que os impede de torturar as vítimas, mesmo que elas mereçam.
Conheço um desses guerreiros que atua mais ou menos como um correspondente em campo: sua função é tira fotos da atuação do seu exército e publicá-las todas, para que o mundo acompanhe as vitórias e derrotas sofridas.
Como todo bom guerreiro, ele aproveita as vantagens da credencial de imprensa para conhecer mais facilmente os adversários e aumentar o número de estórias para relatar. Na verdade, ele não precisa de muito esforço para documentar os acontecimentos já que o povo do outro lado chove na horta dele para curtir as vantagens que ele pode oferecer. É claro que tudo tem um preço, mas ninguém reclama de ter que pagá-lo.

Apesar de poder agir sem muita moral e respeito, ele fica preocupado com o destino do adversário e não raro acaba assumindo alguns prejuízos para o seu próprio exército. Nesses casos, ele acaba sendo mais vítima do que algoz.
Deve ser o preço a pagar por agir com tanto jeito em situações que exijam apenas instinto.

Atualmente, ele anda pensando em abandonar a guerra para se dedicar a um soldado específico, um soldado de olhos claros, jovem e atraente. Parece que ele foi tocado por uma vontade de inserir qualidade em um mundo dominado pela quantidade.
É provável que ele siga sendo correspondente de guerra para as batalhas dos amigos, mas o seu próprio benefício vai ser obtido longe do front. Torço por isso.

quarta-feira, agosto 06, 2003

Olhos caídos

Eu a encontrei pela primeira vez na casa de um grande amigo em Curitiba.
Ela estava lá com mais duas amigas para uma festa organizada pelos catarinenses auto-exilados em Curi. Todos eles eram de Blumenau e quase todos gostavam de incluir consoantes inexistentes nas palavras com “t”: festsinha, bonitsinho e afins.
Era feriado da Independência e a festa não tinha um motivo maior do que simplesmente reunir os amigos para comer, beber, dançar e beijar. Não rolou nada além disso naquela noite. Ao menos não algo em que eu estivesse envolvido.

Eu havia saído de Sampa na noite anterior e estava lá especialmente para a festa. Não foi a única vez que fiz isso e meu amigo sempre fica feliz com essas surpresas.
Ela era a mais nova das três. Tinha 17 e já tinha aqueles olhos meio caídos para o lado, lindos de morrer. Na verdade, ela é toda lindinha e acabamos ficando muito amigos à partir daquela festa. Acho que ela ficou com um cara lá, mas não estou certo disso. Com relação às outras duas, tenho certeza: rolaram beijos e abraços.

Eu meio que acompanhei um monte de coisas que aconteceram na vida dela de lá para cá. Eu não posso dizer que acompanhei mesmo pois continuei morando em Sampa enquanto ela assava nos verões de Blu City. Estive várias vezes por lá e até servi de guarda-costas durante a bagunça da Oktober. Era impressionante o número de fãs que aquela moça tinha.
Depois da festa, a gente começou a trocar cartas mais ou menos freqüentes, que não foram interrompidas nem quando ela passou algum tempo estudando e passeando nos States. Acho que ela conhecia alguém com parentes em Indiana e por isso ficou depois do final do curso.

Passomos mais ou menos pelas mesmas fases da vida, com a diferença de que eu estava bastante atrasado e era bem mais velho do que ela.
Por conta dessa diferença de idade acabei me colocando como um irmão mais velho. É certo que isso não começou assim, mas como ela nunca me enxergou como um paquera ou ficante, achei melhor me conformar com o que eu tinha.
Fiquei sabendo de quase todos os namorados e dos problemas que eles acabaram trazendo para a vida daquela menina tão bonita e querida. Ela parecia um ímã para caras enrolados, comprometidos e meio alternativos. A cada novo encontro, a gente conversava por horas e horas. Até os pais dela gostavam de papear comigo (para total desespero dela que os achava meio chatos e pentelhos).
Ela também acompanhou a minha descoberta da bandalheira e me deu algumas broncas pelos exageros que rolavam. Ainda bem que ela não sabe de tudo!!

Hoje em dia ela está mais madura, mais centrada, mais tranqüila e mais confiante.
Um curso universitário finalmente foi terminado, planos foram elaborados, menos bocas foram beijadas e até aulas foram ministradas.
Das poucas coisas que seguem como sempre, a minha preferida é que ela continua linda e com aqueles olhinhos meio caídos para o lado.

terça-feira, agosto 05, 2003

Os shows da vida

O salão estava mal iluminado mas ainda dava para ver onde ficavam os bares e a saída.
Eu cheguei cedo e por isso não havia nenhum tumulto. Na verdade, não rolou tumulto nem depois do show. Aquele público não curtia muita bagunça.
Como eu tinha mesmo que esperar, comprei uma coca, me sentei mais ou menos no meio do salão, bem em frente ao palco e esperei o barulheira começar.
Não me lembro quantos minutos depois do horário marcado as luzes se apagaram e a pequena tela colocada no fundo do palco começou a exibir um monte de imagens meio sem sentido e editadas justamente para que ninguém conseguisse juntá-las com facilidade.
Primeiro entrou o William que acenou timidamente, pegou a guitarra e começou a se preparar. Depois vieram o baixista e o baterista. Jim entrou por último de propósito. Acho que ele é meio preguiçoso por que só apareceu quando o tratamento de choque já havia começado.

Assim foi o início do segundo show mais legal da minha vida.
Estou em um momento “Alta fidelidade” e resolvi listar as melhores experiências com apresentações ao vivo.
Comecei com o Jesus and Mary Chain no finado Projeto SP por uma razão muito simples: foi o único show que me fez sair com dor de cabeça depois de quase ter gozado por duas infinitas horas.
Eu era um dos únicos que cantava as letras das músicas e o povo do meu lado me olhava meio torto. Acho que isso não era muito “cool” para eles. Eu não estava nem aí e seguia cantando alto os versos de Happy When It Rains.
O show inteiro teve pouca ou nenhuma iluminação especial. Era basicamente o William destruindo nossos tímpanos e o Jim cantando baixinho como acompanhamento.
Nem mesmo o erro do Jim em umas das músicas estragou a festa: ele esqueceu a letra e teve que pedir penico para os outros.
Saí de lá meio anestesiado e demorei a entender o que tinha acontecido.
Acho que era isso mesmo o que aqueles escoceses queriam.

O número três da lista foi a Pop Mart Tour no Morumbi.
Na minha opinião há pouco a dizer sobre o U2. Não os acho os maiores mas admito que o show dos irlandeses não tem igual.
Não é um lance de apertar botões e deixar a iluminação fazer o resto. É uma parada de alma, de empatia do Bono com o público e de se sentir parte de algo especial.
O frontman sabe bem como trazer a galera para junto de si e como levá-los para onde quiser. É até ridícula a facilidade que ele tem em ganhar a todos só com algumas caminhadas no palco e abraços na fila do gargarejo.
Até o populismo meio ensaiado de pegar uma menina, fazê-la subir ao palco e deitar-se no colo macio para cantar mais suave, provoca terremotos em quem está assistindo.
Desta vez eu não era o único a cantar as músicas.

Eu já falei do quarto melhor (Morrissey no Olympia) em outro post, mas nunca é demais lembrar dos meus queridos Smiths.
Ah se eu tivesse tido culhões e ir vê-los na Argentina!!!!

Deixei o número um para o final. É para dar mais suspense.
Apesar de ter sido em um estádio (Pacaembu) e de ter sido um festival e não um show único (Monsters of Rock), o velho Lorde das Trevas estava em plena forma e pulou mais do que a platéia de moleques ensandecidos vestindo camisetas pretas.
Como eu era moleque mas não tinha nada de doido, preferi ficar na arquibancada e tocar air guitar.
Ele judiou ao começar o show com Paranoid, emendou um clássico atrás do outro e fez as tradicionais saídas e voltas ao palco só para ver o povo gritando com louco.
Teve fogo, guitar hero, pulos alucinados, gritaria, descontrole, isqueiros, emoção e memórias. Ninguém naquele estádio teria dificuldade para dormir naquela madrugada, mesmo aqueles que haviam chegado ao meio dia e estavam indo embora às 2 da manhã.
Tenho certeza que não havia um dito cujo que achasse que não tinha valido a pena para ver o Ozzy. Afinal de contas, ele é o Iron Man itself.

segunda-feira, agosto 04, 2003

No trabalho – Parte 1

Aquela moça usava óculos pretos e pesados que não me deixavam ver direito a cor dos seus olhos. Mais tarde descobri que eles eram castanhos como os meus mas isso me custou muitas idas à máquina de café do andar e um par de sessões de cinema.
A gente trabalhava no mesmo andar mas eu nem sabia o seu nome. O fato de ter me mudado para lá pouco tempo antes não ajudava muito.
Nem me lembro direito o que falei para arrancar o primeiro sorriso, mas ela voltou a sorrir muitas vezes depois.
Ela morava sozinha e nossa primeira vez foi assistindo “Virgens suicidas” da Sofia Coppolla, o que não remetia a um clima muito romântico. Mesmo assim foi bom enquanto durou. Eu adorava a o ideograma japonês que ela tinha tatuado bem embaixo da etiqueta da calcinha.
Acho que ambos entramos na estória sabendo que seria passageiro. Notei isso quando descobri que ela tinha feito aniversário quase duas semanas depois da data. Ela simplesmente não me avisou por que achou que eu não me importaria.
Ainda rolou um flashback, mas durou muito pouco. Nosso tempo já havia passado.

Outra moça que conheci nessa empresa foi a recepcionista de sobrenome grego.
Ela era a cara (e muito mais) da Angelina Jolie e vivia com uma grossa camada de protetor labial por conta do vento gelado do Inverno.
Acho que ganhei definitivamente a sua atenção quando disse a única frase que sei em grego. Era algo como “Grécia, Grécia, viva Grécia”. Dou graças a um seriado da Globo sobre a primeira olimpíada da era moderna. Grande Coubertin!!
A gente viu muitos filmes, fez compras, se agarrou no elevador de serviço da empresa, dormiu junto, conversou sobre a saudade que ela sentia da mãe e se afastou pouco depois dela ter sido mandada embora.
Ainda hoje me lembro daquela tatuagem que ela tinha na parte baixa das costas e que misturava um escorpião com uma rosa. Ela era parecida com a minha e isso criava uma outra ligação entre a gente.

A última lembrança de hoje relacionada a moças que conheci em empresas me leva a um par de olhos muito grandes e azuis. Ela não era especialmente bonita mas tinha algo que me atraiu. Deviam ser os olhos.
Ela era amiga do meu chefe e por isso acabamos nos encontrando. Almoçamos em grupo um par de vezes e nos paqueramos de forma bem sutil. Ficamos juntos em uma festa da empresa. Fomos juntos ver se estava tudo bem com o carro dela e nos beijamos. Foi um beijo meio adolescente: ela se encostou no carro, colocou os braços para trás, sorriu e me esperou. O beijo não durou muito mas foi bem gostoso.
Nos beijamos outras vezes e descobrimos que não tínhamos muito a ver.
Como isso aconteceu pouco antes da minha saída da empresa, acabou sendo mais fácil para ambos. Ficamos com boas lembranças e com nossas realidades.

Acho que não sou a melhor pessoa para falar mal de envolvimentos no trabalho, mas talvez possa modificar um pouco a máxima e dizer: onde se ganha o pão se come a carne, desde que ninguém fique sabendo.

sexta-feira, agosto 01, 2003

Psicólogo amador

No meu microverso, é muito fácil descobrir quem é a pessoa mais indicada para ouvir sobre seus problemas e dar soluções “milagrosas” para todos eles.
Não é preciso pensar muito para encontrar o ombro ideal para lamentar por que aquela menina não liga mesmo depois do cara ter passado horas conversando sobre tudo com ela e abrindo coisas que ele não havia dito para nenhuma outra mulher.
É mais do que óbvio encontrar o nome daquele que vai beber todas com você e te acompanhar ao banheiro quantas vezes o seu fígado exigir uma revolução completa.
Também não é coisa de gênio saber como você vai acordar seguro na sua cama depois de ter chegado ao fim da garrafa e descoberto o segredo do Juanito Caminante.

Assim é a vida do psicólogo amador, daquele que está aí para qualquer coisa, daquele que ajuda homens e mulheres simplesmente por que gosta da coisa.

Diferente do psicólogo “acadêmico”, o amador (no bom sentido da palavra) não conhece a teoria e nem sabe a diferença entre Jung e Freud. O máximo que ele já ouviu falar é que o Sigmund não precisava de Viagra para achar um motivo sexual até em uma água viva boiando em Búzios.
Apesar de não ter sido especialmente treinado, ele sabe ouvir muito bem e não sabe ficar quieto depois de ouvir algo que o desagrada. A pessoa que fala sempre acaba ouvindo e, apesar de sofrer um pouco com algumas palavras, normalmente acaba gostando e agradecendo com cerveja ou abraços. Ele curte ambos.

Outra diferença do “tratamento”: o papo nunca rola em um consultório. Normalmente o barulho das outras pessoas que estão no boteco atrapalha um pouco mas eles conseguem se entender e chegar a alguma conclusão positiva, nem que seja pedir outro balde de Bohemia long neck.

Apesar de agir como um, o amador rejeita o rótulo de psicólogo. Para ele, só é psicólogo quem quer descobrir jeito de resolver seus próprios problemas e ninguém tem nada a ver com os dele. Deixa que ele resolve tudo sozinho e em silêncio.
Isso deve ser sinal de fraqueza, mas se os amigos conseguem contar com ele, não deve ser nada que não possa ser tratado depois.

Não quero deixar a idéia de que esse cara é perfeito e que todas a mães do mundo o desejam para genro. Isso está anos-luz longe da verdade.
Mesmo com a habilidade para ajudar, ele está longe da perfeição e não se importa muito com isso. O que importa mesmo é ajudar os camaradas e festejar a recuperação deles.
Pessoalmente, acho que ele só faz isso por causa da cerveja na comemoração.

Se todo alcoolismo fosse bom assim, o mundo seria um lugar muito mais bacana de se viver.